25 outubro, 2025

CONVULSÕES

«Sobre dois estrados situados frente a frente, os músicos desencadeavam-se. Não deixavam que surgisse uma pausa. Quando um tímido silêncio começava a desabrochar, após uma banda ter acabado um tango, a outra banda caía com um jazz em cima do minuto silencioso e esmagava-o entre o tambor e o saxofone. Os pares dançavam incansavelmente.» Joseph Roth, Direita e Esquerda


No famoso livro «O Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu», do não menos famoso neurologista Oliver Sacks, são apresentadas duas mulheres idosas que têm em comum ouvir ininterruptamente música dentro das suas cabeças como se tivessem um rádio lá dentro, chegando a ter dificuldade em perceber o que lhes diziam devido ao barulho. Ambas as mulheres foram vítimas de convulsões lobo-temporais, uma devido a uma trombose numa zona do lobo temporal direito, a outra por causa de um raro fenómeno epiléptico. Sem epilepsias e tromboses, o mesmo se passa hoje com o mundo da informação no qual, como servos voluntários, nos vamos despenhando, mentalmente esmagados pelos factos, sejam estes megafactos, minifactos, microfactos ou pseudofactos, um mundo de permanente ruído, sem silêncio, descanso, beleza, lugar para a imaginação ou devaneio, para o prazer de retirar a ficha da tomada eléctrica que nos liga ao mundo onde nos calhou viver. Tal como naquele casino entre o tambor e o saxofone, nós, entre o rato e o comando, vamos sendo convulsivamente informados até adormecermos de vez.