25 junho, 2024

UTOPIA

Quem não é do Porto ou nunca foi ao S. João, não consegue entender o seu alcance, o mais próximo que estive de uma experiência utópica. Daria para escrever um pequeno estudo sobre isso, mas como mais de dez linhas já desmoralizam um leitor, fico-me pelos martelos. Tal como o futebol pode ser uma sublimação das velhas guerras tribais, julgava serem os martelos um modo socialmente aceitável e até divertido de descarregar a natural agressividade do animal que também somos. Não é. Os martelos são uma comovente manifestação de amizade e amor universal. Aparecesse Cristo na noite de S. João, como em Sevilha nos Irmãos Karamazov, e ele próprio andaria a martelar toda a noite e fazendo a multiplicação dos martelos em vez de pães e peixe, neste caso, sardinhas. E o mesmo com S. Paulo, Thomas Müntzer, Joaquim de Fiore, Rousseau, Marx, Cabet ou Kropotkin, todos devidadmente martelando e martelados sem parar, na noite de S. João. Madrugador que sou, na manhã seguinte, acabada a festa, fui dar com uma cidade transformada numa lixeira e cheia de cantos e recantos com um cheiro insuportável. Muito, mas muito trabalho mesmo para os homens do lixo, tendo em mãos a tarefa de limpar todos os estragos da festa, ajudando a regressar uma bem menos feliz, mas mais habitável cidade. A mesma tarefa de políticos que tiveram a nobre e difícil missão de fazer esquecer lixeiras sociais e políticas resultantes do desejo de transformar o homem no que ele não é. O S. João, felizmente, não é uma utopia, mas uma sublimação da utopia, como também o lixo da manhã seguinte não passa de uma apenas desagradável sublimação das lixeiras da história deixadas por desvarios utópicos. Assim sendo, foi muito bonita a festa, pá, e até para o ano.