26 junho, 2024

PAPELARIA

Mais em terras pequenas do que nas grandes cidades, e talvez por falta de leitores suficientes, a ideia de livraria estava, e ainda está, quase sempre associada à ideia de papelaria, havendo nelas uma distinção entre a secção de livros e a de objectos de papel, em maior quantidade, como cadernos ou folhas de cartolina. Já em Lisboa ou no Porto havia grandes e boas livrarias (muitas delas já fecharam) como em Paris ou Londres, onde o livro era rei. Não um livro qualquer, embora também os houvesse, mas sobretudo o livro que está para a livraria como o bom perfume para a perfumaria ou um certo bolo especial para a pastelaria. Esta distinção entre livraria e livraria/papelaria é assim uma coisa do género do que distingue uma bela imperial de um panaché ou um bom perfume francês de uma simples água de colónia. Todavia, ao entrar hoje no espaço que, talvez por pudor, ainda se chama livraria, fica-se com a sensação de estar a entrar sobretudo numa papelaria, um espaço rodeado de papel por todo o lado, incluindo livros que, sendo papel com letras, pouca diferença fazem de papel sem letras, como é o caso dos guardanapos ou lenços para assoar o nariz, os quais, apesar de ainda não se venderem em livrarias, já ocupam os escaparates das lojas de museus de pintura cheios de povo ávido por ter um contacto mais orgânico com as obras de arte do que com olhos, havendo assim, quem sabe, a possibilidade de um dia virem também a aparecer folhas de livros para limpar a boca do molho do bife ou assoar o nariz. Se dantes um livro era um objecto feito de papel, no qual as letras eram a substância e o papel um mero acidente, hoje, um livro é substancialmente um pedaço de papel que por acaso também pode apresentar letras, mesmo que não se perceba bem o que possam lá estar a fazer.