24 junho, 2024

FLORZINHAS

O Ípsilon traz um artigo sobre Carlos Portugal, antigo cantor de música de intervenção. Não o conhecia e não precisei de muito para perceber que a sua música não me interessa. Mas não pude deixar de levantar as orelhas com uma frase sua: "O homem é ele e as suas circunstâncias, portanto, se um tipo tem uma vida rica, canta as florzinhas e esse tipo de coisas". Isto para ele poder dizer que se um tipo for pobre, o que lhe aconteceu na vida, a sua circunstância impedi-lo-á de cantar florzinhas, levando-o naturalmente a focar-se nos problemas, coisa que ele fez com a sua música. Pois eu acho o contrário: é por se ser pobre que ainda faz mais falta o luxo de cantar as florzinhas facilmente cantadas por quem tem uma vida rica. E que quanto mais pobre se é mais falta fazem as florzinhas, fugindo assim à dupla condenação de ser pobre e de não poder cantar florzinhas. Basta pensar em tantos pintores, escritores ou músicos que viveram pobres ou chegaram a viver pobres, mas que se dedicaram a abrir as janelas para delas verem florzinhas e deixarem entrar o seu aroma pela casa dentro, em vez de janelas fechadas cujos vidros lhes devolvessem o reflexo das suas vidas.  Como alguém dizia, se uma pessoa passar demasiado tempo a olhar para o abismo, o abismo passa também a olhar para ela.