27 junho, 2024

A ESPERTEZA ENQUANTO CATEGORIA FILOSÓFICA




Como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Eis um daqueles problemas filosóficos em que só a pergunta já põe uma pessoa a bocejar e a pedir desculpa por ter de ir comprar cebolas para o jantar. Muito mais engraçado é saber se, tal como a digestão, que se explica apenas pelo funcionamento do aparelho digestivo, também a nossa vida mental pode ser reduzida a essa viscosa e nojenta massa cinzenta, bem arrumadinha na caixa craniana e que pesa pouco mais que um pacote de arroz, mesmo envolvendo processos mentais tão nobres e elevados como visões místicas ou decidir o que se vai comer ao jantar. O problema é contemporâneo e ainda mais desafiante graças às neurociências, mas já tem longas barbas como as dos filósofos gregos que a ele também se dedicaram, assim como muitos outros, com barba ou sem ela e até com um elegante bigode francês, como Descartes. Alma, espírito, mente, daimon, cogito, intelecto, razão, são tudo noções que servem para defender uma vida que não passa só pelo corpo, ou mesmo uma vida para além desta vida na qual um dia deixamos o corpo a fazer tijolo enquanto a alma levita como um balão do S. João mas sem o fogo que tantas vezes a fez arder enquanto submetida ao vil império dos sentidos. Como é fácil de ver, trata-se de uma matéria que envolve questões de natureza antropológica, epistemológica e moral (e religiosa) que ainda hoje continuam a alimentar a filosofia, essa área do saber com tantas perguntas e ainda mais respostas. Respostas que, também aqui, pelos vistos, continuam a ser oferecidas à humanidade que por engano entra numa livraria em vez de uma loja de fatos de banho ou de produtos gourmet. Somos muito mais do que o nosso cérebro revela através de uma tomografia? Claro que somos. Mas deixemo-nos de velhas e bafientas noções como alma, espírito ou mente. O que nos torna superiores aos animais ou alguns de nós superiores a outros que apesar de terem uma alma esquecem-se demasiadas vezes dela, é a esperteza. Se o cérebro serve para explicar a normal e previsível vida de um ser humano, é na esperteza que encontra a sua liberdade e salvação.