12 junho, 2024

LUZ DE INVERNO



Libertemos então a pessoa destes grilhões que são as marcas: a marca da camisa, a marca do relógio, a marca do telefone, a marca da cozinha, a marca do carro. Liberta deste obsceno mercado das marcas, fica assim tão desmarcada como no dia em que veio ao mundo. Mas como por vezes no futebol ou no basquetebol, continua a ser-lhe feita uma marcação cerrada que faz dela um composto de marcas com diferentes valores no mercado: profissão, sexo, nacionalidade, cor da pele, idade, beleza, número de seguidores na rede social, quem são os amigos, até mesmo o nome próprio, para além do apelido, que lhe põem à nascença. A pessoa pode estar nuazinha como no dia em que veio ao mundo, mas toda ela são logotipos colados à pele. Quando explico a terceira fórmula do imperativo categórico de Kant, costumo perguntar quanto vale uma vida humana: quinhentos, mil, um milhão de euros? A ideia é concluir que, ao contrário de um lápis ou um frigorífico, não tem preço. O que não impede que no exercício de certas funções a pessoa que é professor ganhe X e a pessoa que limpa a sala de aula ganhe Y, ou que Mbappé valha mais milhões de euros do que João Félix. Mas enquanto pessoas, em vez de lápis e frigoríficos, valem o mesmo, tendo as suas vidas igual importância. Os alunos ouvem, acreditam e aceitam. Mas a Filosofia é uma cápsula de cujas teorias se pode dizer o mesmo que dizia o marquês (grande marca) de Maricá acerca dos conselhos dos velhos: iluminam mas não aquecem. O mesmo se diga do velho projecto iluminista.