02 maio, 2024

SEM SEDE MAS COM MUITA SEDE

Gosto de acentos. Dão identidade e personalidade a uma língua, gostando de os ver mesmo em línguas das quais não entendo uma palavra.  Daí ser contra as palavras homógrafas que tantos acentos nos roubam. "Sede do Mal" é o título português de um filme de Orson Welles. O título original não ajuda, mas também não é preciso conhecê-lo para pronunciar "sede" no sentido de beber. É uma questão de probabilidade ou por ser mais intuitivo para título de filme. Mas, em abstracto, poder-se-ia chamar "A sede do Mal", no sentido de espaço, lugar, a um documentário sobre Auschwitz, a batalha de Estalinegrado, os Autos de fé da Inquisição ou Wiriamu. Podia e até soaria bem. Apenas um senão: ser demasiado redutor. Existem infinitas sedes do mal, não "a" sede do mal. Quando se pensa no mal absoluto são exemplos como aqueles que vêm à tona. Acontece, porém, que mesmo o mal absoluto está em todo o lado, em todos os cantos e recantos do mundo, em infinitas sedes onde almas sequiosas matam a sede dele e que, pela sua frequência e banalidade, não têm direito a filme ou documentário, ocupando apenas metade da página interior de um jornal.