Gosto, e até bastante, de algumas coisas de Monet, mas é sempre com uma certa indiferença que olho para a sua série de nenúfares, aqueles monótonos e impassíveis ornamentos botânicos repousados em águas paradas. Enfim, uma pasmaceira sem qualquer abertura para uma narrativa. Mas se pensar que alguns deles foram pintados enquanto decorria nos verdes campos da Europa uma das mais demenciais e tremendas carnificinas de todos os tempos, sou obrigado a repensar o valor desses trabalhos de um homem entregue à sua solidão num jardim, enquanto vai misturando cores numa tela, sob o chilreio dos pássaros. Se me vier à cabeça um inocente com as tripas de fora num lamaçal, ou nos pulmões queimados de milhares de jovens numa trincheira de Verdun, um colorido nenúfar repousado sobre águas tranquilas surge-me então aos olhos como um paraíso perdido que nunca deveríamos ter abandonado.