«A beleza dela deixou-o deserto» Pascal Quignard, Terraço em Roma
É uma mulher, mas poderia ser uma pintura, uma música, uma paisagem, um verso. O que aqui importa não é ser uma mulher, mas o deserto que sobressai diante da beleza, que não significa anular a consciência. A beleza não é uma terrível Medusa que paralisa a consciência no seu próprio vazio. E também para que serviria a beleza sem a consciência dela? Não é isso. Uma consciência deserta significa antes uma ausência da consciência de si, de uma consciência que faz de si própria o centro de tudo e torna a realidade uma sombra de si mesmo. A beleza é por isso catártica, não só pela emoção, mas também por libertar a consciência agrilhoada no seu próprio espectáculo, descentrando-a como Copérnico fez com a Terra, com olhos e ouvidos apenas para se concentrar na fonte que irradia beleza. Diante da beleza, deixamos de ser rochas empedernidas e bloqueadas pelo seu próprio peso. Somos antes como um recipiente vazio que vai ser preenchido por ela. A beleza, e a tese não é minha, é por isso o melhor antídoto para o egocentrismo e o narcisismo. Pascal Quignard diz o mesmo que o filósofo, mas com aquela luz e fulgor que só existe na literatura ou naquelas raras vezes em que a filosofia gosta de piscar o olho à literatura.