09 outubro, 2023

JE SUIS PIERRE MENARD

Arte joga bem com auto-conhecimento e não estou a pensar no de quem a cria, mas no de quem recebe as suas criações. Também não estou a dizer que seja uma espécie de auto-ajuda para viver melhor, ou ainda como aqueles pais que põem os filhos na música porque ouviram dizer que desenvolve a inteligência, ficando assim sobrestimulados para poderem mais tarde entrar nos melhores cursos. Ainda assim, sem ser essa a sua essência, o auto-conhecimento não deixa de ser uma consequência natural e espontânea da arte. Não sei escrever, pintar, esculpir, encenar, realizar, fotografar ou compor. Mas é graças a algumas obras que que me é revelada uma imensa e profunda parte de mim que coincide em absoluto com o que outro escreveu, pintou, esculpiu, encenou, realizou, fotografou ou compôs. Por exemplo, um livro que não apenas descubro, mas onde me descubro. Seja-o como um todo, ou apenas um parágrafo, ou simples frase. Leio e percebo logo que fui eu quem o escreveu, graças ao escritor que fez com que eu escrevesse o que nunca teria escrito se não o tivesse lido. Tal como o escravo de Ménon diante de Sócrates, eis-me humilde diante do criador, parteiro que faz nascer novos mundos e experiências dentro de mim, tornando cada frase que leio uma frase escrita por mim, vindo assim ao mesmo tempo de fora e de dentro. E se eu não sou a mesma pessoa que começou por escrevê-lo, nem o meu mundo é o dela, o meu livro torna-se assim tão original como o próprio original, assim como a pintura do século XIX que eu também pintei ou a música do século XVIII que eu também compus, tão minhas como as delas foram tão suas. Não direi que com vantagem para mim enquanto anão que salta para as cavalitas do gigante para ver mais do que ele. Não se trata de ver melhor uma mesma realidade, mas a realidade de cada um diante do espelho que a cada um pertence.