06 setembro, 2023

O PARADIGMA PERDIDO

Edgar Morin já vai com 102 anos. Quando, há décadas, eu via uma pessoa com 100 anos, era com um misto de perplexidade e fascínio que, associando o seu nascimento a uma época histórica, pensava na sua coexistência com remotos acontecimentos do século XIX ou inícios do século XX, e de eu estar a coexistir com essa pessoa, o que faria com que me sentisse, especularmente, a coexistir com esses acontecimentos. Ainda hoje fico impressionado ao descobrir que certas pessoas do século XIX pelas quais me interesso, morreram já depois de eu ter nascido, ou seja, coexisti com elas. Acontece que um homem com 102 anos nasceu em 1921, já não podendo ter visto Nietzsche como chegou a ver Giovanni Papini ainda criança, embora sem saber quem era, nem ter estado na guerra de 14-18. Nasceu apenas 39 anos antes de mim, a idade de um jovem. Daí, hoje, não ver uma pessoa com 102 anos tão velha como via dantes, pois apesar dos seus 102 anos, parece, historicamente, um jovem. Mas não é. Um engano que se explica por nem sempre me lembrar que também já não o sou, e que, para uma criança actual, o ano em que nasci é como foi para mim o final do século XIX ou inícios do século XX. 102 anos é mesmo muito tempo, e embora o tempo passe a fugir, nós não fugimos do tempo.