13 setembro, 2023

LUTA INGLÓRIA

Desde o início do Verão que tenho sempre no congelador uma daquelas caixas com dez Magnum de três qualidades e tamanho mais pequeno: chocolate simples, chocolate com amêndoas, e chocolate branco, que no início estranhei mas depois entranhei. Não há vez alguma no supermercado em que não diga a mim mesmo que já não compro mais, pronto, chega, não pode ser, não faz sentido, uma injustificável parvoíce num homem já com idade para ter juízo. Mas, depois, tudo faço, e por vezes de modo até insidioso, para passar por eles e trazê-los, dizendo a mim mesmo que será para comer só um de cada vez, conseguindo a perversa parte de mim afagar e convencer a outra pura e ingénua que assim será. E, na verdade, sempre que em casa abro um gelado é mesmo com a ideia de ser só esse. Mas também não é menos verdade que nunca o consegui. Fatal como o destino, é sempre aos pares que os avio, e até já chegaram a ser três. Por ser sensata e racional, a minha vontade de ter vontade de só comer apenas um gelado é sincera e honesta. Só que esta vontade da vontade vem da razão enquanto a vontade propriamente dita vem da boca, e isso é um problema. O coração, órgão bem escondido e protegido na caixa torácica, pode lá ter as suas razões que a razão desconhece. A boca também tem as suas e apesar de neste caso a razão bem as conhecer, pouco pode contra elas. Estes Magnum, que ainda por cima são minis, representam uma magna derrota para a minha razão a qual, dizem alguns filósofos, é magna, mas que neste caso fica reduzida à sua mini importância. Uma luta inglória, restando-me o consolo, mutatis mutandis, do mesmo Pascal que opinou sobre o coração apesar de não ser cardiologista, quando me diz (§414) que Les hommes sont si nécessairement fous que ce serait être fou par un autre tour de folie que de n'être pas fou.