24 agosto, 2023

CHAPÉU-DE-SOL

As línguas são corpos dinâmicos nos quais muita coisa perdura no tempo mas também muita desaparece ou se transforma, adquirindo novos significados. Há dias, tive que explicar o que é uma sombrinha, artefacto concebido para proteger as senhoras do Sol, mas que no século XX, e sem mudar o nome, já servia para proteger as senhoras da chuva. Nome tão vulgar que um dos chocolates mais populares era mesmo a sombrinha de chocolate da Regina. Já os homens não podiam usar as pequenas e coloridas sombrinhas, mas pretos chapéus-de-chuva. Mas o que para muita gente é um chapéu-de-chuva, para muita outra já será um guarda-chuva. No norte, a própria combinação soa absurda, uma vez que por lá, chapéus, apesar de muitos, são apenas os que se põem na cabeça, ou punham, já que a velha boina deu lugar ao boné, ou mesmo a coisa nenhuma, até porque o cabelo, cada vez mais cortado em sofisticadas barbearias, precisa do palco craniano liberto para exibir os seus maneirismos. Mas dizia eu que nas línguas, e quase sempre por força das circunstâncias históricas, há muita coisa que se transforma para adquirir novos significados. Assim, do mesmo modo que as sombrinhas do século XIX passaram de proteger do Sol para proteger da chuva, talvez já tivesse faltado mais para que o antigo e clássico chapéu-de-chuva, ou guarda-chuva, passe a ter um significado obsoleto, por já não ser usado para proteger da chuva, mas do Sol, passando apenas a chamar-se chapéu-de-sol ou guarda-sol. E assim, do mesmo modo que hoje vemos fotografias e pinturas do século XIX onde se vêem senhoras em ensolarados jardins com as sombrinhas que as nossas mães usavam por causa da chuva, talvez no futuro se venha a estar diante de fotografias ou filmes do século XX onde se vêem pessoas a usar o chapéu-de-sol ou guarda-sol por causa da chuva.