Não é inaudito um processo em que o que se começou por se considerar triste e digno de comiseração passe a ser visto como modelo de virtude a seguir. Nietzsche viu isso na ascensão do cristianismo como ideologia dominante, sendo o santo figura proeminente do processo, resistente ao pecado e à tentação na sua cela vazia, gruta no deserto ou em cima de uma coluna, como Simeão, o Estilita, magistralmente filmado por Luís Buñuel. Ao dar conta da contemporânea e crescente preocupação com a comida saudável, em que se anda obcecado com os benefícios disto e daquilo, ou os malefícios disto e daquilo, não me surpreende que um destes dias venha a ser um grande elogio considerar alguém um pãozinho sem sal, cultivando uma hipotensão existencial que o liberte da diabetes, enfartes e AVC`s, que vieram substituir os demónios do imaginário medieval, os quais enfrenta com um corpo sem mácula e nos limiares de uma beatitude alimentar. Deixando naturalmente o pãozinho tão orgulhoso como se fosse uma bela fatia de pão alentejano ainda morna e coberta de manteiguinha da boa a derreter dos bons velhos tempos.