Manchester, Biblioteca Central, 2017
Leio num livro a frase "silêncio lunar" cujo sentido ou força expressiva qualquer pessoa entende. Mesmo que, com algumas excepções, ninguém tenha estado na Lua, chegamos lá pela associação entre as suas imagens e certos lugares onde estivemos. Eu não sou uma dessas excepções, a não ser em certas situações quotidianas em que a minha cabeça, na sua louvável luta pela sobrevivência, vagueia pela Lua. Mas também já tive a minha experiência de silêncio lunar. Onde o levíssimo peso do silêncio mais se fará sentir não há-de ser na Lua, nem no deserto ou na funda cripta de uma basílica, mas onde existem pessoas, e eu tive-a, tanto na Biblioteca Central de Manchester, como, ainda, na mesma cidade, na belíssima Biblioteca John Rylands, ou dois dias depois na Biblioteca Central de Liverpool. Salas a abarrotar de jovens, ao longo das quais, para as apreciar, tive que andar como se a pisar ovos e a sentir-me um egiptólogo que acabou de entrar numa sala povoada de sarcófagos, graças à ocasional descoberta de um botão que permite abrir uma porta secreta.
Experiência que mais radical se torna por oposição à que tenho das bibliotecas em Portugal. Por exemplo, já tem acontecido ser forçado a sair biblioteca da minha escola por me ver envolvido pelo mesmo tipo de ruído e movimento físico de pessoas que se encontram num café cheio de gente. Professores e alunos falam com a mesma desenfreada espontaneidade com que falam num café e, nalguns casos, mais próprio de uma taberna: levantam-se, sentam-se, arrojam cadeiras, caminham, gritam, como se fosse na rua. Há alunos que falam alto, mas também professores que conseguem falar ainda mais alto. Ninguém dá por nada, ninguém se espanta, ninguém se arrebata, é tudo normal. Não estou a criticar. É uma questão cultural, do mesmo modo que os italianos comem pasta e os peruanos ceviche com batata doce. Eu é que estou culturalmente desenquadrado, daí ser eu a ter que sair da biblioteca e não a biblioteca a ter que ser evacuada. O que também pode explicar o facto de entrar nas tais três bibliotecas daquelas feias, escuras e industriais cidades do norte de Inglaterra, com a sensação de estar a entrar em casa.