Printscreen de Ida (Pawel Pawlikowski, 2013)
Em rigor, não faz sentido ela dizer que passou a ser judia. A haver um sentido, encontra-se no advérbio "também" que, neste caso, não é temporal ou ontológico, mas psicológico, marcando a diferença entre o ser e a consciência. Ninguém se torna judeu ou deixa de ser judeu do mesmo modo que aos 18 anos ninguém se tornou filho de um certo pai e de uma certa mãe. Acontece que Ida, órfã, foi criada num convento católico, onde se prepara para fazer os votos, nada sabendo do seu passado. Na sua consciência é apenas uma jovem polaca, católica, unindo a sua vida à de um deus que morreu na cruz. Mas um contacto com uma tia fá-la descobrir que é judia. Portanto, quando diz "também sou judia", não está a dizer que é judia como alguém que dissesse "Sou português e também apreciador de bacalhau à Braz", mas que acabou de tomar consciência de ser judia. Não mudou o que é, apenas a consciência do que é.
Um simples "também", mas cuja importância é decisiva, pois é na consciência e não na realidade que tudo se decide. A questão central não está na diferença entre o que somos ou não somos, mas no que sabemos que somos ou não somos e, como em Ida, saber ou não saber o que somos depende de acasos e oportunidades. O que sou eu? Eu sou o que vários acasos e oportunidades me permitiram saber o que sou. Mas também quantas coisas não saberei de mim por falta deles? Como pessoas, somos como tudo o que existe: frutos do acaso. Mas não menos fruto do acaso é também o que sabemos ou não sabemos acerca de nós. Feliz ou infelizmente, depende das situações. A coincidência connosco mesmos não é diferente da generalidade das coincidências que vão ocorrendo ao longo das nossas vidas.