Ontem, em frente aos Correios, estavam duas Testemunhas de Jeová, com ar de Testemunhas de Jeová, ao lado de um expositor com revistas de Testemunhas de Jeová. No passado sábado, por volta das 9 da manhã, vinha a chegar ao meu prédio após uma longa caminhada campestre, quando encontro dois militantes do Bloco de Esquerda, um deles meu amigo, a colar um cartaz que tinha qualquer coisa sobre o problema da habitação. Seria um encontro normal, não se desse o caso de o meu amigo, não obstante a sua provecta idade continuar a ser, para além de indefectível revolucionário, um indefectível noctívago com uma relação difícil com as manhãs.
Sinto-me tão distante das Testemunhas de Jeová como de qualquer outra religião, ou do Bloco de Esquerda como de qualquer outro partido. Mas, e embora saiba ser a inveja coisa feia, é inveja o que sinto perante o seu empenho diário para salvar o mundo ou pelo menos melhorá-lo. Acordam de manhã, chegam ao espelho e vêem pessoas que vão ajudar a salvar o mundo ou a melhorá-lo, saindo para a rua de peito feito e alma renovada para mais um dia de luta. Saber que a Esperança não é virtude menor, será mais matéria do foro religioso, mas também não é com pouca força que abraça os militantes do Bloco de Esquerda na sua luta diária. Já a minha luta é bem menos empolgante: enquanto uns oferecem revistas ou colam cartazes, continuar a ter pernas para caminhar, olhos para ver e ouvidos para ouvir, nem que seja sobre a esperança nos outros.