Tenho uma relação quase doentia com ostinatos. Se calha ouvir um, depois repito até já não poder mais, ficando dias a ressoar na cabeça como adesivo sonoro lá colado. Daí já saber o que iria acontecer ao ouvir The Bells, de William Byrd: o mesmo destino do pacote de amêndoas que comprei com a ideia de serem apenas duas ou três de cada vez, mas depois não descansei enquanto não acabei com ele. Mas uma coisa é a minha relação com o ostinato, outra será o seu potencial metafórico, sobretudo quando uma das mãos vai mantendo no teclado um padrão rítmico constante enquanto a outra explora registos melódicos, como acontece na peça de Byrd. Porque assim se expressa musicalmente a história da humanidade, uma linha avançando mas, como numa espiral, rodando sobre si própria. Mas também pode ser uma expressão musical de uma vida. E aí não me limito a dizer que é, mas desejando mesmo que assim seja, porque é assim que deve ser. Mais interessante ainda se torna com um ostinato como variação de um outro ostinato, como acontece com a Entrata para Orquestra, de Carl Orff face à peça de Byrd. Temos assim The Bells do lado esquerdo, a Entrata do lado direito, um ostinato de ostinatos. Um labiríntico exercício, é verdade. Mas é isso que torna a vida mais rica e emocionante no seu perpétuo movimento de identidade e diferença, conservação e superação. Uma espiral contínua até se fechar definitivamente sobre si própria para depois se dissolver no vazio. O acontece quando acaba a música e, ao contrário da minha relação com o ostinato, já não se irá repetir.