Lisboa, FNAC do Aeroporto, 2023
Há já uns bons anos, em Londres, fiquei duas noites em casa de uma professora reformada que nunca tinha visto. Pouco depois das apresentações, pergunta-me o que faço, digo que sou professor, pergunta-me de quê, eu digo que de Filosofia, rematando então com esta magnífica frase: "Oh, you must be very clever!" Em décadas de vida não foi caso único (Filosofia? Oh!), lembrando-me deste em particular pela forma espontânea, entusiástica e frontal com que o disse. Existe mesmo um estereótipo para a Filosofia, como existe para taxistas, empresários do norte, poetas ou agentes imobiliários. Mas, como acontece tantas vezes com os estereótipos, trata-se de uma distorção ou exagero da verdadeira realidade.
Tal como as emoções, a inteligência tem uma função adaptativa. É pois com esse propósito que foi mais dada a uns animais do que a outros, sendo o homem a cereja em cima do bolo da cadeia intelectual. Graças à inteligência, o cão faz coisas que uma galinha não faz e esta coisas que um berbigão não faz, gerindo cada um a sua vidinha de acordo com as suas possibilidades. Ora, se pensarmos nos grandes desígnios que movem a humanidade, bem superiores aos do cão, galinha e berbigão, fica fácil de entender que a sua inteligência teria de ser não apenas superior, mas bastante superior. Prova-se assim, empiricamente, que um professor de Filosofia, tanto durante o seu curso universitário, como durante a sua actividade docente, pratica um tipo de pensamento em clara contradição com o que se espera de um ser humano, remetendo-o, na cadeia intelectual, e no que à relação com o mundo e a vida diz respeito, para a função adaptativa que encontramos no berbigão. Vale-nos a complacência de filósofos como Jeremy Bentham, para quem a vida de um berbigão pode ser tão digna como a de Donald Trump ou José Sócrates.