Para ajudar a compreender o problema da definição de arte, apresento vários quadros, esculturas, peças decorativas, fotografias, edifícios, músicas, um poema, um bailado e excerto de um filme. No final, resolvo perguntar quem trocaria meia hora da aula de Filosofia por três horas de uma de Química. Com a rapidez de um pistoleiro, erguem-se três braços, um deles de um excelente aluno, outro de uma boa aluna. Conheço bem a turma e tenho a certeza de que não se levantaram mais com medo de ferir o professor, o que até é de louvar, sem tirar mérito à sinceridade dos outros três. Ora, eu não consigo mesmo perceber como é possível desejar a troca, quando eu trocaria 10 minutos de uma aula de Química por uma tarde inteira de Filosofia, História ou Literatura, o que será também incompreensível para esses alunos. Tento, mas não consigo entrar numa cabeça que troca Vermeer por amoníaco ou uma sonata de Bach por fluoreto de cálcio, ou que se sente mais atraída pela diferença entre sais neutros e sais ácidos do que pelo que faz uma fotografia ser artística ou não artística. Como ela também não conseguirá entrar na minha. Felizes, mas raras, aquelas que tanto se emocionam com Vermeer e Bach como se fascinam com o amoníaco, felicidade da qual não usufruo.
Estas diferenças, direi mesmo distâncias, são normais. Há seres humanos tão distantes uns dos outros como um urso polar e uma andorinha, animais cujas diferenças aceitamos sem pestanejar. Também as compreendemos e aceitamos nos seres humanos quando se trata de gostos ou sensações primárias. Por exemplo, gostar ou não de certas comidas, perfumes, cores, animais ou estações do ano. Os clássicos "Gostas mais de cães ou de gatos?", "Do Verão ou do Inverno?". Cada um gosta do que gosta, e pronto. O mesmo não se passa muitas vezes quando as diferenças já mexem com certos bens, projectos de vida ou certos tipos de prazer, caindo-se na tentação do juízo de valor e da hierarquia. O argumento é básico: os seres humanos não são ursos polares e andorinhas, daí podermos julgar certas vidas como melhores que outras. Mas eu prefiro o contra-argumento, que, admito, não é menos básico: os seres humanos são mais parecidos com ursos polares e andorinhas do que parece, não tendo a formiga que perder tempo a pensar como é ser urso e o urso como é ser formiga. Animais animais, vidas à parte, mas, quando se juntam, que se entendam no que é possível entenderem-se. E vivamos assim felizes para sempre.