15 março, 2023

REVOLUCIONÁRIOS

Nazaré, 2023

Andava na escola primária e, ao voltar à tarde para casa, não me lembro se com um ou dois amigos, escrevi na parede de uma rua ainda hoje pouco percorrida, com um pedaço de giz cor de rosa trazido da sala de aula salazarista, "Abaixo a guerra colonial". Poderia dizer que foi o meu único momento revolucionário em já mais de sessenta anos de vida, não fosse o facto de não passar de um grito desenhado com giz para logo emudecer. Ouvia certas conversas lá em casa mas isso não fazia de mim alguém com uma verdadeira consciência política. Contava, sim, ter um irmão que estava quase a ir para a dita guerra, e também eu já pensava que um dia seria a minha vez. Daí o desabafo escrito com o mesmo empenho e convicção de quem diz uma asneira quando se magoa. Muitos anos depois, estou numa festa do infantário do filho e vou observando um grupo de crianças que joga às escondidas, quando dou conta de um garoto, ainda mais pequeno, que acreditava estar a jogar com os outros, embora ninguém estivesse a jogar com ele. Estava fora mas, pelo seu entusiasmo e empenho ao esconder-se, plenamente convicto da sua importância.

Ora, o que terá levado alguém, num muro em ruínas de um recôndito canto de uma vila portuguesa, a fazer tamanha exigência e com tal intensidade exclamativa? Sem esquecer o Inglês, para assim internacionalizar a sua voz e, quem sabe, levar a sua indignação aos quatro cantos do mundo. Talvez a resposta esteja numa série que ando a ver. Não me puxando nada para ver séries, resolvi ver Esterno Notte, conjunto de seis episódios realizados por Marco Bellocchio sobre o rapto e homicídio de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. Vou para o quarto episódio e já posso dizer que quem mais ali me atrai, para além de Moro, não são os dirigentes da Democracia Cristã (apesar de Cossiga), não é Paulo VI, mas os jovens revolucionários aos gritos, seja na universidade, na rua, num tribunal. Ouvi-los falar em nome do povo, da classe operária, a amaldiçoarem a democracia burguesa, a cantarem a Internacional, tal como aconteceu em Portugal durante vários anos após o 25 de Abril. E embora sejam ouvidos (como não?) tal como esta frase nazarena é lida, no fundo, são como a criança que brincava sozinha, embora se julgasse o centro da acção. No caso das Brigadas, a brincadeira saiu cara a Aldo Moro, como a tantos outros ali, na Alemanha ou em Portugal. Antes, pois, o revolucionário nazareno, que até me suscitou um sentimento nostálgico ao lembrar-me o que terá tido mais parecença com um momento revolucionário ao longo de uma vida que mal estava a começar e que agora não está longe de terminar.