18 março, 2023

PROFUNDIDADE

Queixa-se uma mãe: o filho não faz porque não quer, é tudo uma questão de querer, se ele quisesse fazia. Não sei porquê, talvez um psiquiatra, ante a gravidade das coisas puxo um bocadinho para o disparate. Digo-lhe então, a sorrir, que uma coisa é querer, outra coisa é querer querer e o que pode acontecer é o filho não querer querer. Felizmente, riu e anuiu, como se apenas meia dose a satisfizesse. Quisesse a dose inteira, dizendo-me que, assim sendo, irá dar no mesmo, pois se o filho não quer é porque não quer querer, pois se ele quisesse querer, quereria, eu teria que explicar que ele não queria porque não queria querer, e isso porque não queria querer querer, explicação já algo tortuosa para uma brincadeira. Mas iria ao encontro do que a mãe precisaria de saber, embora não fosse o momento ideal: sabemos lá nós porque queremos o que queremos, não queremos o que não queremos, passamos a querer o que não queríamos ou deixamos de querer o que queríamos. Ou seja, que nós, seres humanos, parecemos uns carapaus mas, lá bem no fundo, somos mesmo peixes de águas profundas.