12 março, 2023

Á MAS É VERDE

Dizia eu há pouco que diante da heresia que é o erro ortográfico, logo emerge o Torquemada que há em mim. Tomás de Torquemada, fervoroso católico, não ficou para a história como adepto da misericórdia cristã. O mesmo se dirá de Girolano Savonarola, outro guerreiro da fé católica, mas com uma alma pouca eivada de sentimentos misericordiosos, sendo depois também vítima da falta dela por parte dos católicos que anatematizou. Por cá também tivemos religiosos mais amigos do cacete do que da misericórdia, merecendo destaque o padre José Agostinho de Macedo, homem de muitas e diversificadas cacetadas. Pois bem, não sendo eu cristão, e com tanta dificuldade em imaginar-me na alma de um católico como na mente de um morcego, não nego ser atreito a misercórdias inclinações.

Estando a corrigir testes, sou atingido pela frase: "Tanto os deterministas radicais como os libertistas têm algo em comum, ambos acreditam que á razões que os fazem ter certos comportamentos ou escolhas [...]", que logo inflamou a parte mais sensível do censor de vermelho na mão, que já teve o seu período azul, embora sem a textura poética do de Picasso. Mas eis que a mesma alma que faz da esferográfica uma espada, logo se dulcifica ante a ortográfica heresia. O aluno errou no plano legal? Errou, e dura lex sed lex. Mas o que é a lei, pergunto eu, como já havia perguntado o desmisericordiado Cristo? A lei pode ser dura na sua aplicação, mas flácida na sua natureza, levando-me a pensar ter o aluno errado com elevada inteligência e perspicácia. Se certas consoantes foram vítimas de soez perseguição, passando de mudas a inúteis, para que raio servirá o agá mudo, agá este que, para o ser, nem precisa de ser hagá? Se os próprios italianos escrevem "Umano" e os brasileiros "Úmido" sem vir com isso qualquer mal ao mundo, para quê então o agá em "á", já que á é á, com agá ou sem agá, provando assim  o aluno, ao contrário da "atual" língua, não estar de todo gagá. Sublinhei a palavra? Sublinhei. Mas compungido, pois deveria fazê-lo a verde como gesto de misericórdia para com o pecador que deve ser perdoado, pois tal como os invocados por Cristo no seu martírio, não sabe o que faz. Só que, neste caso, sem ter disso culpa, pois não foi dele a criação da Torre de Babel.