23 fevereiro, 2023

TÂMARAS

Porque na muita sabedoria há muita tristeza, e o que aumenta a sua ciência, aumenta a sua dor.  Eclesiastes, I,18

Tenho o hábito de levar de casa frutos secos para lanchar a meio da manhã ou da tarde. Também tâmaras, uma vez ou outra, compradas no supermercado, levando-me assim à suposição de saber em que consiste tal fruto. Entretanto, calhando ver numa cesta um monte de tâmaras de aspecto por mim nunca visto, não resisti a comprar umas tantas para experimentar. Como diria o povo, não tenho palavras e, não sendo poeta nem me chamando Huysmans, não as tenho mesmo para traduzir o que viria a acontecer na minha boca com aquele frutado e licoroso sabor mas também com a sua textura aveludada, ao mesmo tempo firme e macia, a desfazer-se lentamente até ficar apenas um caroço como prova da sua existência. Agora, sim, irei morrer a saber o que é uma tâmara, mas também sei que enquanto não morrer muito dificilmente irei voltar a encontrá-las assim, forçando-me assim, glosando o suplício de Tântalo, à consciência de saber o que é a tâmara perfeita mas com a ainda mais forte consciência de não poder comê-la. A ignorância pode ser uma maldição, mas o conhecimento poderá não o ser menos. Digo-o, apesar de ainda ter o rasto de uma das poucas que ali me restam. Ou, diria antes, por isso mesmo.