24 fevereiro, 2023

A BORBOLETA

Bolonha, 2017
 
Fosse a história da humanidade um romance, e seria o Mal um dos seus grandes protagonistas. Mas, como também em tantos romances, com um outro não menos relevante protagonista, embora mais discreto: a inocência. Se a história está impregnada de mal também o está de inocência, quer dizer, tudo o que a montante vimos como naturalmente bom ou pelo menos neutro, mas que a jusante, vai desaguar na catástrofe: entusiasmos vários, pequenas conquistas, descobertas, invenções, seráficas ideologias, criações artísticas e inofensivos argumentos filosóficos, tudo coisas que recebemos com naturalidade mas sem a consciência do que virão a inquinar no futuro.

Já não sei dizer o que me terá puxado para esta fotografia. Talvez uma questão estética, ver aquela enorme letra na porta de uma loja como primeiro plano, desfocando as pessoas que passavam. Talvez uma ridícula pulsão narcísica por ver a inicial do nome por que sou tratado na que considero a mais bela das cidades, a única que me dá a estranha sensação de a minha alma lá ter vivido antes de transmigrar para o Ribatejo e aonde nunca me cansarei de voltar. Fosse o que fosse, um inocente desvario, uma inocente irrelevância. Sei, porém, que, hoje, a história já não me deixa olhar para esta fotografia com a mesma inocência com que a via antes do dia 24 de fevereiro de 2022. Porque quis essa história, sem eu nada saber, transformar um mero impulso estético ou a inicial do meu nome na mais bela das cidades, no símbolo de uma horrível e tremenda tempestade.