13 fevereiro, 2023

OS SEUS A SEUS DONOS


Trata-se de um print screen de Fairytale, o mais recente filme de Alexander Sokurov (ia dizer, "do realizador russo Alexander Sokurov", mas evitei a tempo). Hitler e Estaline conversam amenamente no Purgatório (a imagem não é a melhor devido às condições atmosféricas do lugar) quando se começa a ouvir uma sonata de Schubert. O que aqui se vê é a imediata e orgulhosa reacção de Hitler, que era melómano, mas antes disso "alemão". É verdade que ninguém esteve lá para testemunhar a conversa, não passando de criativa especulação do realizador. Seja como for, diante de Estaline, e com Churchill e Mussolini por perto, o comentário de Hitler é bastante verosímil. Fosse Schubert russo, inglês, ou francês como Napoleão, que também anda por ali, e, pior ainda, judeu, a reacção seria outra.

Não é muito diferente do que se passa quando nos congratulamos por não haver portugueses entre as vítimas de um acidente ou catástrofe, embora com muita pena para a vampiresca comunicação social que perde assim um maravilhoso pretexto para passar horas a encher chouriços. Se tivesse morrido na Turquia ou Síria um português, por exemplo, de Macedo de Cavaleiros, isso seria naturalmente importante para os seus. Mas para a restante parte da humanidade que é portuguesa, o que contribuiria para a sua infelicidade ter morrido um português? Até porque todos os dias morre gente em Portugal e não só em Macedo de Cavaleiros. Seria mais importante esse português do que mais um entre milhares de turcos ou sírios? Se sim, talvez fosse com base na famosa ideia do interlocutor de Hitler, sempre eivado de elevado espírito filosófico: se a morte de uma pessoa é uma tragédia, já a de milhões é mera estatística. Neste caso, uma enorme tragédia para Portugal que veria perder um dos seus.