Há pessoas em cujas casas existe uma divisão só para ver cinema. Televisão grande, umas cadeiras, um ou outro outro pormenor decorativo, a ideia é só poder estar confortavelmente sentado a ver um filme. Está-se, mas não é a sala de estar, verdadeiro centro da casa, com mobílias, adereços, peças, fotografias pessoais, tudo organizado de modo a suscitar o prazer de, mais do que ali estar, ali viver. No meu museu imaginário, coincidente com a minha casa imaginária, haveria também duas salas. Uma sala de estar onde teria os meus 20 ou 30 quadros preferidos para ver todos os dias e a toda a hora, apenas pelo prazer de os ver. E uma outra só para ir apreciando, durante uns dias, e à vez, cada um das centenas de quadros que teria guardados num enorme armazém só para, por diversos e justificados motivos, poder ocasionalmente vê-los nessa sala.
Há quadros diante dos quais fica difícil desviar os olhos. Quando por fim chega o momento de passar para outro, penso que o mais provável é nunca mais voltar a vê-lo e então viro de novo os olhos para ele para mais uma despedida. Eis um quadro que levaria para casa pelo prazer de o ver todos os dias, de me fazer companhia, fazer parte de mim, como alguém que se ama e que desejamos ter sempre por perto. Mas há muitos que, não tendo essa natureza, não deixam de ter valor. Não por serem como os outros, que são apenas o que são, assim, sem mais, mas porque fazem pensar, perceber melhor certas coisas, serem uma metáfora ou uma parábola, porque foram importantes na história da arte, ou são importantes para um historiador explicar certos acontecimentos, enfim, por poderem ser ainda um sugestivo espelho da sua época. Posso passar um bom bocado com eles, levar até pessoas lá a casa para falarmos e discutirmos sobre eles. Mas aos quais viraria de novo as costas, regressando de novo à sala para junto dos meus quadros diante dos quais voltaria, finalmente, a ficar em silêncio.