Riga, 2019
Sendo Portugal um país turístico, cedo nos habituámos a ver ou conviver com gente do chamado mundo ocidental. Mas os soviéticos, no outro extremo da Europa? Onde poderíamos ver gente desse mundo tanto mistificado por uns como amaldiçoado por outros, a não ser na televisão, sobretudo no desporto ou a passar de gorro na rua atrás do Carlos Fino? Um mundo de onde não se saía livremente, aonde poucos iam, enfim, um mundo fechado do qual pouco se sabia. Mas como seriam mesmo? Felizes, como na revista Vida Soviética, ou com racionamentos e o Gulag para os que se portavam mal? Como seriam as casas e como viveriam as famílias, teriam mesmo que partilhar apartamentos? Haveria droga, crime, depravação, ou níveis elevados de Vitamina D social graças ao Sol da Terra? Seria mesmo verdade não terem acesso a calças de ganga, Rock e Coca-Cola? E como explicar o sucesso no xadrez, na música erudita, no bailado? Seriam geneticamente mais dotados que nós, ou apenas devido a um sistema de ensino e sociedade tão perfeitos como um formigueiro?
Estive, é verdade, duas vezes próximo de soviéticos. Uma, no topo do 3ºanel do Estádio da Luz, para ver 11 minúsculos pontos a correr de um lado para o outro. A outra, aqui na terra, um grupo folclórico trazido por uma associação de amizade Portugal-URSS. Dançaram, sorriram muito e foram embora. E pronto. Por isso, mesmo que Sting cantasse We share the same biology/Regardless of ideology, a verdade é que havia uma pesada e opaca cortina de ferro a separar-nos daqueles seres virtuais, meras entidades literárias, sociológicas ou, para quem fosse comunista, hagiográficas. Daí ter bastado ver aquela porta fechar, vendo-me ali sozinho com um casal cuja infância, juventude e parte da vida adulta foi soviética, para logo sentir o desejo de os guardar para sempre, fingindo consultar o telefone. Serão para sempre os meus soviéticos, como cada país terá o seu soldado desconhecido. Sim, partilhamos a mesma biologia, a mesma carne e o mesmo osso, eles não são apenas pontinhos minúsculos a correr de um lado para o outro num relvado ou perfeitos autómatos programados para sorrir. Outra coisa é partilhar aquele oxigénio, tantos anos soviético, num edifício soviético e cujos elevadores estavam bem longe de imaginar haver um dia em que acordariam de manhã com dióxido de carbono já não soviético.