Por estranho que pareça, existe uma forte relação entre este quadro de 1865 e esta fotografia de 2018. Primeiro, uma proximidade geográfica. O quadro, de Gustave Courbet, bem grandinho, está permanentemente pendurado no Petit Palais, que fica mesmo ao lado dos Campos Elíseos. Quanto à fotografia, é de um edifício muito perto do Petit Palais onde está o quadro de Courbet, a qual fiz, entre tantas outras, para me entreter num sábado de coletes amarelos quando devia estar sossegadinho no Museu de Orsay a ver a exposição de Picasso, mas que, por ser sábado de coletes amarelos, encerrou. No quadro, vemos um filósofo, Proudhon, rodeado de livros, em pose contemplativa, alheado das filhas. A imagem de um filósofo contemplativo será sempre uma imagem de paz e tranquilidade. Diria até que algo poética, ou mesmo sugerindo a ideia de haver um pensador de Rodin na imagem de cada filósofo que pensa. Ainda assim, os sortilégios do mundo deverão incutir-nos alguma prudência e cepticismo, o que me leva ao segundo motivo de proximidade entre quadro e fotografia.
O homem que ali vemos a pensar, há muito que havia escrito "O que é a Propriedade", livro do qual resultou a célebre frase "La proprieté, c'est le vol". Não sei se o colete amarelo que escreveu aquela frase vermelha alguma vez ouviu falar de Proudhon. Mas a frase, espécie de twitter avant la lettre, é improvável que desconheça, tão importante no imaginário francês como "Je pense, donc je suis", "Que sais-je?" ou "L'enfer, c'est les autres", neste último caso eu que o diga, com os planos de sábado estragados. É neste sentido que, baseando-nos no que em narratologia se designa por metalepse, a mistura de diferentes níveis narrativos, podemos encontrar uma segunda relação entre o quadro e a fotografia, como acontece nas Viagens da Minha Terra quando o narrador volta ao Vale de Santarém e encontra Frei Dinis e a avó de Joaninha, personagens da história que ele próprio narra. Neste caso, o pensamento de Proudhon, desviado das suas filhas, imaginando um futuro no qual a propriedade virá a desaparecer, mas enquanto não vier haverá sempre, sobretudo em França, onde mais?, um colete amarelo para o lembrar.