«Durante algum tempo toda a sua vida iria assumir um aspecto novo, e depois seria igualmente divertido regressar à calma de antigamente. Amante das imagens, via a sua vida como uma estrada recta e uniforme que passava no meio de um vale tranquilo; desde o momento em que se aproximara de Angiolina, essa estrada inflectira e desviara-se em direcção a uma zona variegada de árvores, flores e colinas. Era apenas um breve troço, depois do qual voltava a descer para o vale e para a fácil estrada plana e segura, tornada agora menos monótona com a recordação desse intervalo encantador, colorido, fatigante talvez». Italo Svevo, Senilidade
«Como Viver?» faz parte do lote de perguntas com poucas hipóteses de obter uma fórmula como resposta. Mas foi a que me ocorreu ao ler esta passagem, a qual considero merecedora de alguma atenção. Percebe-se que o alvo do escritor é uma personagem marcada pela relação com uma outra, Angiolina. Mas a minha ideia aqui não passa por relações amorosas e desamorosas, e se mantive a referência passional foi apenas para não amputar o texto. A minha ideia está antes centrada na vida em geral, neste caso, através da metáfora dos dois caminhos. O de uma estrada segura, previsível, onde se mete a 5ª para se deixar ir sem ter de pensar ou mesmo conduzir sem atenção ao caminho, mas também caminhos que incitem à descoberta, à surpresa, à experiência de momentos únicos e irrepetíveis, exigindo toda a nossa atenção. Não temos de estar perante um dilema, pois não parece boa ideia circular exclusivamente por um deles. A previsibilidade, a rotina, a segurança da auto-estrada são muitas vezes necessárias, mas reduzir o caminho a isso significa empobrecê-lo. Mas circular apenas por caminhos acidentados, por muita belas que sejam as paisagens e o que fazemos diante delas, pode provocar estragos no carro e ainda desassossegar as nossas costas e articulações. Em suma, auto-estrada para se deixar ir quando é isso que se pede, mas também veredas, para poder ver e fazer o que se irá para sempre saber que se viu e se fez. Que auto-estrada, A1, A2, A3, ou que vereda, se na planície, montanha, floresta ou junto ao mar, isso cada um saberá, e caminhos não faltam para neles circular.