Fez-me bastante impressão ver uma fotografia de Mega Ferreira a andar na rua de bengala na mão. A bengala tem um grande valor simbólico, basta pensar no enigma da Esfinge. Mas eis que nos tempos modernos emerge uma outra grande bengala cuja importância é cada vez mais decisiva para pessoas em crescente processo de envelhecimento e demência como é inequivocamente o meu caso: o Google. Queria lembrar-me do nome daquela famosa borboleta, verdadeira pop star da teoria da evolução, que, para poder sobreviver às aves predadoras nos telhados escurecidos de Manchester devido à revolução industrial, foi ficando cada vez mais escura. Mas nada de borboleta. Meu Deus, as dezenas de vezes que já falei dela e, como um velhinho de babete ao pescoço a quem dão a comidinha, vejo-me agora dependente da mão amiga do Google para me amparar neste difíceis momentos em que o espírito se vai a pouco e pouco esvaziando.
Pego então na bengala para seguir o que me parece ser uma boa pista para chegar à fugitiva borboleta: "Darwin+Manchester". Eis senão quando me aparece de rompante o exposto em cima. Foi como estar sentadinho num lar de idosos, esganado com fome, à espera que a funcionária me venha dar o caldinho verde com o belo chouricinho, para depois, com ar perverso, me atirar pelas goelas abaixo uma colherada de óleo de fígado de bacalhau. Ao contrário da bengala de Mega Ferreira que o ia amparando na rua, esta nova bengala tende cada vez mais a puxar o espírito da humanidade para os mais óbvios caminhos por onde toda a gente circula por ser também por aí que toda a gente circula. Por muito que um espírito deseje clarear, e há muitos que o desejam, para sobreviver neste mundo cada vez mais previsível, as suas pernas, teleguiadas por esta sofisticada bengala, acabam por ter de seguir a estratégia evolutiva da Biston betularia: escurecer. A mesma escuridão das pernas de um velhinho num lar de idosos devido à má circulação por passar o dia sentado.