Não é só chamar-se Maria Odete. Não menos estranho, para nós, é ser ela, com este nome, uma menina em vez de uma mãe, uma avó, uma madrinha ou uma tia. Como é estranho a mãe da menina, ou a própria menina, depende da sua idade, fazer questão que se saiba que, mais do que Maria Odete, é ser Maria Odete Vieira Gomes, dando tanto ao livro um peso institucional, como fazendo ainda desse registo uma prova da sua existência, um outro Bilhete de Identidade. Mais: fazer ainda questão de informar o mundo, um mundo de bens facilmente transmudados, que este inestimável e inalienável objecto lhe pertence. E, como se tudo isto ainda não bastasse, tal objecto ser, coisa fantástica, um livro. Um livro, o livro da menina Maria Odete, o livro da menina Maria Odete Vieira Gomes. O que a menina, ou a mãe da menina, ainda não sabe, é a profecia escondida por detrás do título do precioso objecto, mesmo ao lado do completíssimo nome da menina. Um livro que, ao anunciar o passado como seu tema principal, está ele próprio a preparar a futura dissolução da Maria Odete enquanto menina, substituída pela sua condição de mãe, avó, tia ou madrinha num tempo em que esse nome já será nome de mãe, avó, tia ou madrinha, para depois também se dissolver num simples e vazio nome inscrito na página de um livro que um filho, um neto, um sobrinho ou afilhado desejaram ver dissolvido.