03 dezembro, 2022

PALMAS E PALMADAS

Há dias, ao terminar o espectáculo, de um só artista, bato palmas. A minha questão é perceber porque o faço depois de uma péssima actuação e cujo fim ansiava para me poder ir embora. Isto, quando as palmas servem para aprovar, algo de impossível no que ali restava da minha mioleira, tão frita que, mais do que para aprovar o que fosse, estava no ponto para ser misturada com ovos mexidos. A razão por que bati palmas foi a mesma que me leva a elogiar um péssimo bacalhau numa casa para onde fui convidado. E cuja decoração elogio (se questionado), mesmo pensando o contrário. É uma questão de cortesia. Não de uma falsa ou oca cortesia, mas da verdadeira e mais pura cortesia, que significa boa educação e respeito pelos outros, sobretudo os mais dignos de misericórdia e compaixão. O bacalhau estava mauzinho, o vinho ainda pior, mas a pessoa convidou, esforçou-se por agradar e se não correu bem não foi por displicência, desmazelo ou desprezo pelos convidados. Ora, também aquele artista acreditava que iria dar o seu melhor e que ao dá-lo iria satisfazer os espectadores que ali foram para assistir ao seu espectáculo. Daí as palmas não servirem para manifestar agrado, mas para lhe agradecer ter dado o seu melhor, acreditar que estava a dar o seu melhor e que por estar a dá-lo, os espectadores iriam receber o melhor.

Isto acontece porque há valores positivos e desejáveis que por vezes entram em conflito, tendo alguns que ser sacrificados. Todos nós apreciamos a sinceridade. Mas o que dizer da sinceridade se implicar o sofrimento de alguém? Creio que a maioria dos espectadores não gostou do espectáculo, algumas saíram a meio por não aguentarem o que eu assumi aguentar. Suponhamos agora que ninguém batia palmas ou, ainda pior, assobiavam, apupavam ou que o espectáculo chegava ao fim sem nenhum espectador? Seria de uma violência atroz para um rapaz que mostrava alegria ao revelar o seu péssimo trabalho, mas que acreditava ser bom, como outra pessoa acredita no bom gosto da sua decoração e na qualidade do bacalhau. E nós, o que ganharíamos nós com isso? Nós a mostrarmos sinceridade e o rapaz a ficar emocionalmente destruído. Que importância tem aqui a minha sinceridade para com o artista, quando me limitei a perder apenas hora e meia do meu tempo, um átomozeco temporal numa vida com tantas estúpidas perdas de tempo, em comparação com o rapaz ir para casa feliz com a sua actuação? Já agora, um final moralista à moda antiga, como no meu tempo de escola primária: pessoas que sentem uma forte necessidade de criticar, por muita verdadeira e objectiva que seja a sua crítica, esta diz bem mais sobre a natureza da pessoa que critica do que sobre a natureza do que está a ser criticado.