Nos longínquos idos de 1985, fui atacado por o que pensava ser uma ideia bastante original para um trabalho na cadeira de Estética, ousando assim pensar tratar-se de um trabalho e pêras. Entretanto, pego num de dois livros que a saudosa e amável professora me emprestou, para descobrir, sem tirar nem pôr, a minha bastante original ideia, ferindo o meu orgulho e vaidade, não mortalmente, mas deixando-os moribundos. Quase 40 anos depois, para ser mais preciso, a semana passada, fui visitado pelo que considerei ser uma ideia, não diria original, mas com alguma originalidade. Ontem, após um pesado dia de trabalho, pego num livro comprado há tempos, que vi como ideal para arejar um pouco a cabeça antes de me abandonar na antecâmara da morte, encontrando, parcialmente, a minha ideia de há dias. Desta vez, porém, sem vestígios de orgulho e vaidade feridos, cujos paradeiros há muito perdi. Bem pelo contrário, foi com satisfação que vi a feliz coincidência entre os dois espíritos. Como explicar a distância entre a juvenil sobranceria e a actual satisfação por encontrar a minha ideia expressa há muito?
Solicito a preciosa ajuda do Duque de La Rochefoucauld, o beau esprit com quem me encontrei para disfarçar a fealdade do meu, tão cheio de entulho. Num capítulo intitulado Sobre a Aposentação, todo um tratado sobre a velhice em cujo suave cobertor me vou enrolando, vamos dar com uma explicação orgânica, partilhada por homem e animal, para a natureza da juventude e da velhice, segundo a qual são as mudanças do corpo e enfraquecimento dos órgãos que condicionam as suas bem diferentes disposições mentais e sociais. À luz desta teoria, o que vejo então na minha sobranceria juvenil não é senão um vigoroso e musculado "Eu é que sou o presidente da junta", movido a adrenalina e testosterona. De quem, por nunca ter saído da sua freguesia, vê o seu destino como especial e invejável, batendo com as mãos no peito como um gorila do Ruanda. Já velhos, o que vemos é a nossa insignificância e perda de lugar num mundo cada vez menos nosso, como este também nos vê como sendo cada vez menos dele. Daí a satisfação, ou mesmo alívio, por não ser de todo destituído de sentido o pouco que me possa calhar pensar, confirmando-o no pensamento de outros. Podemos estar perto de ir embora, mas que seja de olhos abertos como Quixote que, depois de tanto os fechar, por tanto os esbugalhar para o que não é, finalmente os abriu.