É uma subtileza do espírito dizer-se que nunca se é subtil.
Falamos pouco, quando não é a vaidade a falar.
Preferimos dizer mal de nós mesmos a ficar calados a nosso respeito.
Louvamos para sermos louvados.
A recusa de louvores não é mais do que o desejo de se ser louvado mais do que uma vez.
Normalmente somos maldizentes mais por vaidade do que por malícia.
Só se confessam defeitos por vaidade.
Por vezes consolamo-nos de ser infelizes através de um certo prazer que experimentamos ao mostrar a nossa infelicidade.
A humildade é o altar sobre o qual Deus quer que lhe ofereçamos sacrifícios.
Tirando algumas pessoas bonitas ou assumidamente vaidosas, ninguém gosta de se sentir observado. Mas se há situação na qual ninguém pode escapar a sentir-se observado é diante do olhar ao mesmo tempo viperino e complacente do Duque de La Rochefoucauld. Ler o duque é como estar sentado, nu, na sala de interrogatório de uma polícia política, com uma forte luz para si apontada, sabendo-se de antemão que não se vai conseguir escapar. Não por acaso um filósofo, talvez mais viperino do que complacente, como Nietzsche, que se dedicou ferozmente à anatomia da alma humana, foi grande admirador do duque. Com ele ninguém escapa. Somos vaidosos porque nos enaltecemos mas também porque nos menosprezamos e quanto maior for o menosprezo, maior será o enaltecimento. Vaidosos porque elogiamos, vaidosos porque criticamos, e quanto mais tonitruante for o elogio e a crítica mais dilatado sairá o auto-elogio. E até vaidosos quando nos calamos. Cada um é o centro do mundo, sendo a vaidade, declarada ou encoberta, o alimento preferido do espírito, o combustível que move todas estas pequenas formigas com uns oitenta biliões de neurónios alojados na caixa craniana.
Um dia passava ao lado do Louvre a caminho do Marais. Vendo que não havia fila (era Janeiro), aproveitei a porta escancarada só para dar uma volta antes de prosseguir viagem. Entretanto, fui aos aposentos da Mona Lisa como quem vai ver um filme pornográfico, para me regalar a ver, não a Mona Lisa, mulher discreta e adversa a indecências, mas quem lá está para se auto-ver diante da Mona Lisa. No meio de toda aquela orgia de selfies e erectos cabos para telemóveis que mais parecia a batalha de San Romano, de Paolo Uccello, vejo um rapaz, com ar subversivo, a fotografar o chão, o tecto e as paredes, mostrando assim o seu desprezo pelo altar onde as ovelhas se sacrificavam. Este rapaz estava a ser vaidoso, exibindo a sua vaidade por não estar ali para se envaidecer numa rede social em frente à Mona Lisa. Mas nem eu, ao contar isto, me livro. Primeiro, só porque escrevo. Depois, por dizer que fui a Paris. E em Janeiro, não em tempos de férias como o comum dos mortais. Entretanto, digo com ar blasé que ia a caminho do Marais, assim como quem passa no Rossio ou na Batalha. Insaciável, ainda invoco Paolo Uccello, não vá alguém esquecer-se da minha elevada erudição. E mesmo que sorrateiramente queira escapar, alegando a auto-ironia e a auto-irrisão para uma airosa redenção, continuaria condenado a uma regressão infinita. Daí, mudando o que há para mudar (se fosse vaidoso diria "Mutatis mutandis"), (Diz-me o duque: estás a ser vaidoso por dizeres o que dizes não querer dizer), o que escrevi ontem a meu respeito, não passar de um retórico exercício da mais pura, embora subtilmente descarada, vaidade. Só a clausura, numa floresta ou numa montanha, nos pode safar. Mesmo assim, na condição de não haver por lá um espelho. Caso contrário, resta-nos a complacência do duque perante a fatalidade do nosso destino na sala de interrogatório.