Independentemente de gostarmos da pessoa, e eu não morro de amores, esta fotografia mostra mais uma vez a genialidade de Annie Leibovitz, consagrando mais uma vez a fotografia publicitária como obra de arte. Várias coisas contribuem para a sua beleza e profundidade, ainda que das quais possamos não ter logo consciência, apenas a mesma natural e espontânea adesão diante de certas paisagens. Primeiro, a luz que envolve, suave e misteriosamente, toda a cena, dando-lhe uma patinada atmosfera vitoriana. Depois, como a questão da cor fica quase reduzida a duas tonalidades, criando o mesmo efeito de uma fotografia a preto e branco, livre de ruído cromático para se centrar apenas no essencial. Essencial é também aqui o modo como gere a complexa relação entre o fundo e a figura, ainda para mais habituados a ver Messi e Cristiano como centro de todas as atenções, ofuscando tudo à sua volta. Daí, o que não é fácil, ser preciso convencer o cérebro de que, apesar do grande plano, os dois ídolos aparecem apenas como fundo e não como figura principal, já que isto é sobre malas. Como fazer? Azulá-los, como azulada é a parede, e azulada a própria luz da fotografia, para assim destacar o centro não azulado da fotografia. Não sei se intencionalmente, a própria tatuagem de Messi (horrível como todas as tatuagens) é mais um elemento azul para contrastar com o tabuleiro, a mala e a mesa, o seu centro de gravidade.
A tal efeito conseguido pelo jogo de cores ou pela imediata visibilidade da fotografia, acrescenta-se uma dimensão mais metafísica, digamos assim. No relvado, Messi e Ronaldo são dois corpos em movimento nos quais se destacam os pés e a cabeça para levar uma bola até dentro da baliza. Nada disso existe aqui. Corpos congelados, pés cortados, e as cabeças, que tantos golos marcaram, neste caso bem mais a de Ronaldo, reduzidas a um invisível interior onde tudo acontece. Messi e Ronaldo, tatuados deuses dos estádios diante de ululantes multidões, surgem assim, humilde e discretamente, evanescidos numa sala silenciosa, exilados no seu interior, meditativamente concentrados no tabuleiro de xadrez. Que é bem diferente de uma bola. Uma bola, simples esfera cheia de ar, atrai os pés e cabeças de crianças, jovens e adultos, com o seu canto de sereia. Mas não passa de um objecto primário, vazio na sua redonda regularidade, igual de todos os ângulos e perspectivas. Messi e Ronaldo fazem o que querem dela submetendo-a ao poder dos seus pés e parte exterior da cabeça. E se durante um jogo nunca perdermos de vista o movimento da bola, o que sobretudo vemos são as jogadas protagonizadas pelos jogadores como causa do movimento da bola. Tudo muda ao substituir a bola por um tabuleiro de xadrez. As peças, múltiplas e cada uma com a sua personalidade, movimentam-se, mas à custa de invisível pensamentoe e reflexão, exigindo um respeito e distância que a bola não merece. Não é uma bola branca sobre um relvado verde, o que aqui se vê. É toda uma arquitectura de peças, obedecendo a uma complexa lógica de possíveis combinações lentamente desenroladas num tabuleiro castanho cujos quadrados, bem desenhados e com duas cores distintas, atraem o olhar de dois génios do futebol, levando o nosso atrás.