Torres Novas, Estação Rodoviária, 2022 [autocolante]
Como explicar a inesgotável obsessão comunista por Abril, mês que, na langue de bois comunista, é sempre mais entendido como Tempo Prometido do que como mera data histórica? Abril serviu, e bem, para descolonizar, democratizar e desenvolver. É por isso impossível não lhe ficar grato e não lembrar todos os anos a sua data, como o aniversário de um querido avô cuja memória desejamos preservar. Com algumas excepções, que não apenas taxistas que votam no Chega, qualquer pessoa da minha geração guarda o 25 de Abril no coração. Acontece Abril não ter sido para os comunistas o que realmente desejavam, continuando em estado de negação e pura lascívia ideológica a sonhar com um Abril ideal sobreposto a um Abril imposto pelo princípio da realidade. Um ideal morto e enterrado, mas que por isso permanecerá sempre protegido dos choques de realidade, deixando ao comunista via aberta na busca de um fantasma imaculado. É difícil rivalizar com a memória de um morto, diria Daphne du Maurier, que escreveu um belo romance chamado Rebecca, ou Hitchcock, que o filmou superiormente. Eis uma verdade que um comunista assinaria por baixo, ainda que comunismo e verdade nunca tivessem combinado bem, a começar pelo Pravda. Ficar para sempre congelado no dia 25 de Abril de 1974, significa rejeitar o que daí resultou, um país livre, democrático e liberal, segundo a melhor tradição europeia e americana aquém, tanto de Vichy ou da Berlim de Albert Speer, como da Cortina de Ferro ou da Berlim muralhada. Enfim, Mill e Jefferson em vez de Marx e Lenine, Roosevelt, Churchill e Attlee, em vez de Estaline, Kruschev e Mao, Willy Brandt e Mitterrand em vez de Brejnev e Ceausescu, Soares e Sá Carneiro em vez de Cunhal, Eanes e Melo Antunes em vez de Otelo ou Vasco. Uf!
Não sem alguma piada, num texto de 1950 chamado "Os Ovos Protestam", diz Hannah Arendt que a consequência prática da única contribuição de Estaline para a teoria socialista, foi transformar o provérbio "Não se fazem omeletes sem partir ovos" no dogma "Não se partem ovos sem fazer omeletes". Custe o que custar, partindo-se ovos, mais cedo ou mais tarde, surgirá a omelete. O pior, dirá Isaiah Berlin, é a omelete nunca aparecer, obrigando assim a partir, insaciavelmente, mais e mais ovos. Depois há a História para nos contar o estado em que ficou a cozinha para no fim se acabar a comer, não uma luzidia e fofa omelete, mas latas de atum estragado, matando milhões de inocentes com uma intoxicação alimentar. O "Abril" comunista acaba por ser uma versão portuguesa suave da omelete soviética: nunca apareceu nem nunca irá aparecer. Daí, ainda em 2021, o autocolante com as "mil lutas" no "caminho de Abril", tal como daqui a dez ou vinte anos outros autocolantes haverá. A luta continua e irá sempre continuar. Não centenas, pois não chegam, terão de ser mesmo mil, milhares de lutas, as que forem precisas diante de uma frigideira vazia onde um dia irá aparecer o tão sonhado Abril.