Conhecendo os habituais, e creio que insuperáveis, problemas do meu filho com o telefone, ou porque o perdeu, ou porque avariou, ou porque a bateria enlouqueceu, ou porque desconhece o seu paradeiro, algures enfiado num sofá ou no chão de um automóvel, pronto, sabendo tudo isso, a minha primeira e espontânea reacção diante desta mensagem, foi olhar para ela como sendo absolutamente verosímil e previsível, sendo quase levado a responder-lhe como quem coça a ponta do nariz enquanto segue atentamente um filme. Mas se é verdade que conheço os habituais problemas do meu filho com o telefone, também não é menos verdade conhecer bem o meu filho. E sei que em nenhuma circunstância deste mundo ou de um outro de muitos possíveis, alguma vez escreveria «Boa tarde, pai». E, por muito telegráficas ou atabalhoadas que sejam algumas mensagens, também nunca iria abrasileirar uma frase com a ausência do artigo definido antes do pronome. Dei-lhe assim o destino que merecia: duvidar dela e rejeitá-la. E, sim, claro, estava tudo normal com o telefone, facto que é de louvar.
Não serve o assunto para abordagem das minhas relações familiares, mas apenas da natureza de uma mensagem automática oriunda de um obscuro sistema informático. A máquina, sem ter culpa de ser o que é, padece de uma falta de subtileza, social, psicológica, cultural e linguística. Sendo um mecanismo sem consciência e apenas centrado no aparente sucesso da mensagem só pelo facto de, por muito tosco que seja, nela já se poder vislumbrar um sentido, ignora ostensivamente o destinatário enquanto pessoa, com um mundo, uma consciência, e a possibilidade de interpretar sentidos latentes disfarçados em sentidos manifestos. A máquina, tão «confiante» na eficácia da sua mensagem, diz assim coisas que, num nível pragmático, não fazem qualquer sentido. O que me faz confusão, sendo isso assinalável, é haver verdadeiras pessoas, e por isso providas de consciência, transformadas em cabeças falantes, tão seguras das suas mensagens, que, ao processarem quase automaticamente conteúdos com apócrifos sentidos, revelam os mesmos absurdos «processos mentais» de uma máquina autista. Mas ainda mais assinalável é haver outras, igualmente verdadeiras e providas de consciência que, em vez de rasgarem, amarrotarem e dar a esses processos mentais o destino que merecem, acabam por a eles devotamente aderir, dando origem a distópicas afinidades electivas que, num mundo de seres humanos supostamente racionais, será sempre motivo de fortíssima apreensão.