22 dezembro, 2022

BLUE NOTE

Porto, Estação Rodoviária do Campo 24 de Agosto, 2022

Bem tentei o meu momento hopperiano, com dois invencíveis ingredientes: um homem solitário na cidade e uma luz fria a envolvê-lo. Fosse Nova Iorque e até se poderia pressentir, para contrastar com o aquático silêncio do homem diante do balcão vazio, a sirene de uma ambulância ou o som de um saxofone vagamente solto do interior de um clube cuja porta momentaneamente se abriu. Mas não é Nova Iorque quem quer, não é um elegante americano da primeira metade do século XX quem quer, e acima de tudo, não é Hopper quem quer, seja pela pintura ou pela fotografia. E também a música vinda de dentro do balcão estava bem longe do som quente de um saxofone. Mas mesmo com o homem perfeito, o ambiente urbano perfeito, o fotógrafo perfeito, o jazz perfeito, a aura melancólica e solidão existencial da imagem estariam desde logo fatal e violentamente condenadas pelo poder e força de uma língua que de azul só tem mesmo a cor.