23 dezembro, 2022

A FLOR E O ESTRUME

Porto, FNAC da Rua de Santa Catarina, 2022
 

Há nomes que são como o calor e a luz de uma lareira, focos de utopia, radiosas ilhas no meio da linguagem. Rosebud bem poderia ser, por antonomásia, um nome para esses nomes, mas não. E não, porque também não chega bem a ser um nome, antes um Sol platónico que ilumina a alma no preciso momento em que os seus olhos se abrem e os do rosto se fecham. Cada pessoa terá os seus nomes, sendo Thyssen um dos meus, nome de um museu onde sinto sempre um regresso a casa para retomar uma conversa interrompida. Daí a surpresa, não só por vê-lo ali no chão a ser diariamente pisado, mas também por só agora reagir ao facto de ser nome de escada rolante. Julgo que o meu cérebro fez sempre com ele o mesmo que com Chaves ou Peru: quando pensamos no objecto, apagamos a cidade, quando pensamos no país, apagamos o animal. E o contrário. Daí ter visto tantas vezes aquele nome apenas como etiqueta industrial. Acontece que, desta vez, associei mesmo o nome ali gravado no meio de todo aquele frio e cinzento metal, ao museu. Uma espúria ligação entre um mundo de devaneio e intimidade e um outro feito de uma crua e nua realidade objectiva, dando assim origem a um curto-circuito mental. 

E o que mostra essa realidade depois de bem esfregados os olhos e a recuperar do curto-circuito? Uma relação causal, nada falaciosa mas efectiva, entre o nome ali chapado industrialmente e a paradisíaca ilha onde de vez em quando faço a minha visita, entre outras, a Helena de Kay que um dia, há já muitos anos, me foi apresentada por Winslow Homer. Sim, ela é de Winslow Homer (não tanto quanto ele gostaria mas isso é outra conversa) mas também do Barão Hans Heinrich von Thyssen-Bornemisza, filho de Heinrich Thyssen, por sua vez filho de August Thyssen. O aroma da flor ali esquecida no chão por detrás de Helena não combina bem com o cheiro frio e viscoso do metal. Mas foi o frio metal que levou aquela flor até àquela parede do palácio de Villahermosa em pleno Paseo del Prado, a uma hora de Lisboa. Como também foi o cheiro do petróleo do engenheiro Calouste Gulbenkian que levou van der Weiden, Ghirlandaio, Monet, peças de Lalique ou biombos orientais, a estarem, não a uma hora de Lisboa, mas no coração de Lisboa. Money, o vil metal, o mesmo metal de Thyssen, makes the world go around e, por muitas voltas que o mundo dê, quanto a isso não há volta a dar.