Embora já estivesse muito distante da idade em que os homens devem contentar-se com os prazeres enganosos que a vaidade produz, ele sorriu. Honoré de Balzac, A Mulher de Trinta Anos
Costumo lançar o seguinte desafio aos meus alunos. Imaginar um rapaz ou rapariga puros e ingénuos, muito bonitos, com pais ricos, rodeados de regalias materiais. Mas também de falsos amigos que, nas suas costas, gozam da sua ingenuidade, fingindo sê-lo apenas para usufruírem dessas regalias. Ambos têm namorados, que apenas o são, não só por isto, mas também para se poderem exibir ao lado do rapaz ou rapariga mais bonitos do liceu e se aproveitarem sexualmente deles. Estes, por sua vez, sentem-se felizes ao terem os melhores amigos do mundo e namorados que os amam. E remato com uma pergunta: serão, afinal, estes dois jovens verdadeiramente felizes? Como é de esperar, a resposta é sempre afirmativa. Pois claro, como não hão-de ser felizes, se sentem felicidade e um enorme prazer com as suas vidas pessoais? Argumento então que uma coisa é a representação subjectiva da felicidade, outra será entendê-la de modo objectivo, sendo assim possível sentir um falso prazer e uma falsa felicidade, por uma condição que podemos até entender como miserável, ainda que com a sua (falsa) consciência do contrário. Sensações, sentimentos ou estados de alma não têm de ser uma tradução fiel de um estado de coisas: sentir frio ou o mau sabor de um alimento não implica estar frio ou um problema com o alimento, apenas o resultado de uma falsa sensação motivada pela gripe. Também um suicida sentir que o fim da sua vida é o melhor, não significa, objectivamente, que o seja, e pode-se entrar em pânico por ficar preso no elevador, sem que isso represente um perigo.
E no que diz respeito aos prazeres considerados enganosos pelo escritor? Ou seja, os prazeres normais de uma pessoa normal? Serão mesmo enganosos? Aqui, pela entrada em jogo da vaidade, a vaidade normal de uma pessoa normal, o cenário é outro. Esta, como produto da imaginação, pode ser coisa vã, oca, e sem um valor objectivo para a sustentar. Por exemplo, a vaidade motivada pela beleza, por um carro, a roupa que se veste ou frequentar certos restaurantes. Como um velho cínico grego, podemos até ridicularizá-la. Acontece, porém, desde que fora de um quixotesco delírio, não ser a vaidade um prazer solipsista, fechado sobre si, conhecido apenas pelo próprio e só justificado pelo próprio. Pois embora não tendo a vaidade uma justificação natural, tem, todavia, uma justificação social. O que leva uma pessoa a ser vaidosa é a posse de certos bens restritos numa social competição de vaidades, um jogo de espelhos em que cada um se vê através dos outros mas também vendo os outros através de si, aferindo-se assim quem é ou não digno de ser vaidoso. Sinto-me vaidoso por conduzir o meu carro diante de outros que também o têm, sabendo que é também isso que os envaidece e, não menos importante, alimenta a inveja dos que não o têm. Daí a vaidade e a inveja serem irmãs siamesas, alimentando-se cada uma do sangue da outra. Por isso, não, não é enganoso o prazer produzido pela vaidade. Pelo contrário, é um tipo de prazer em que o subjectivo casa bem com o objectivo, levando a pessoa à plena felicidade de conduzir aquele carro, em coerência com o que é socialmente aceite como critério de prazer ou felicidade. Daí esse seu prazer ser respeitado, tanto pelos que o partilham como pelos que gostariam de o partilhar e um prazer respeitado ou louvado é um prazer legitimado. Claro que não é nada disto que está no Eclesiastes ou nos Evangelhos, ou que possamos encontrar numa espécie de Direito Natural do prazer e da felicidade explicado por alguns filósofos e moralistas. Mas a Religião, a Filosofia e a Moral contam muito pouco neste mundo.