Caminhavam no mesmo passo, sem se mostrarem admirados do acordo que parecia existir entre si, desde o primeiro dia em que caminharam ao lado um do outro: obedeciam a uma mesma vontade, paravam impressionados pelas mesmas sensações; os seus olhares, as suas palavras correspondiam a mútuos pensamentos. Honoré de Balzac, A Mulher de Trinta Anos
É pela descrição de testemunhas que a polícia chega ao retrato-robot de um criminoso. Testemunhas que, ao voltarem a passar por ele na rua irão, muito provavelmente, reconhecê-lo. Mas o mais certo é que pessoas que apenas viram esse retrato, por muito perfeito que este seja, passem por ele na rua sem o reconhecer. Com os espíritos, ainda que de pessoas bem nossas conhecidas, acontece o mesmo que com os rostos de pessoas apenas conhecidos por retratos obtidos por descrição de outras. Há um filme muito engraçado de Richard Fleischer, Viagem Fantástica (1966), em que um grupo de pessoas é miniaturizado para, dentro de um submarino igualmente miniaturizado, poderem entrar no corpo de uma outra, atravessando coração, pulmões, por aí fora, até chegarem ao cérebro. Imaginemos agora que nos metíamos dentro de um submarino miniaturizado para entrarmos no espírito de uma pessoa bem nossa conhecida. O mais certo seria acontecer o mesmo que à pessoa que viu um retrato-robot e que depois passa por ela na rua sem a reconhecer. Daí esta descrição de Balzac só ser possível graças à visão de um narrador omnisciente que, nesta qualidade, tudo julga saber sobre os espíritos das suas personagens. Mas se porventura estas duas personagens entrassem miniaturizadas nos espíritos uma da outra, das duas uma: não iriam reconhecer o que viam ou reconheceriam, mas iriam ficar deveras desiludidas com o que viam à sua frente.