«Este é realmente o primeiro G20 a realizar-se depois do fim da era pós-Guerra Fria» Charles Kupchan, do Council on Foreign Relations (citado por Teresa de Sousa no Público)
Eu, que vivi quase metade da minha vida sob o domínio da Guerra Fria, leio esta frase com uma cara que pedi emprestada a mim próprio quando tinha 15 anos e precisava de resolver certos problemas de Físico-Química. Ou para falar com mais rigor: todos os problemas de Físico-Química. Só à terceira tentativa, muito devagarinho e em voz alta, o meu cérebro conseguiu processar o que raio queria dizer «depois do fim da era pós-Guerra Fria». Com quatro elementos temporais seguidos (depois, fim, pós, guerra fria), a frase surge tão tortuosa como certos bairros medievais ou os processos mentais de algumas pessoas que eu conheço. Mas, quebrado o gelo da obtusidade, torna-se depois tão líquida e transparente como a própria história que, apesar das suas tortuosidades, e com mais, ou com menos astúcia, não passa de uma simples sucessão de acontecimentos. Sim, houve uma Guerra Fria, embora sem constipações de maior por estas bandas, mas com valentes gripes pela Coreia, Cuba, Vietname, Chile, Angola ou o Afeganistão da fase soviética em que eram os talibãs os combatentes pela liberdade. Mas a Guerra Fria acabou e passámos ao pós-Guerra Fria. Entretanto, também acabou o pós-Guerra Fria para assim entrarmos no pós-pós-Guerra Fria, e lá saberá Deus o que mais haverá de vir, isto na condição de que o que vier não venha demasiado quente para que ao aquecimento global não se junte o aquecimento final.
A minha visão do mundo mudou desde que uma ex-ministra das Finanças e da Educação (bela conjugação), teve a amabilidade de me explicar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, asserção epistémica e ontologicamente bem mais simples do que poderíamos supor. Fosse escrito hoje um dos textos mais importantes da metafísica contemporânea, em vez do título «Que é uma coisa?», iria ser «Que é uma coisa e que é outra coisa?», tendo depois apenas uma página com a frase «Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa». Ora, contra Fukuyama, que nunca foi ministro da Educação ou das Finanças e, a fortiori, muito menos das duas, a história também nos ensina a seguinte evidência: primeiro vem uma coisa e depois outra coisa. Mas, entretanto, assim como quem não quer a coisa, seguidamente vem ainda uma outra, mas não, e não sendo isso de somenos importância, sem que outra venha a seguir. E enquanto assim for não é nada mau, por muito mau que seja o que venha a seguir, até porque enquanto uma coisa vai e outra coisa vem, folgam as costas do tempo, cujo farol pode então arrefecer um bocadinho a lâmpada para poupar energia que será sempre precisa em revoluções e assim, das quais resulta sempre uma aceleração histórica, muitas vezes, infelizmente, com acidentadas derrapagens. Agora, mau mesmo será quando passarmos do «Pós-qualquer coisa» para o «Plof-sem qualquer coisa». Mas nessa altura também não haverá qualquer historiador ou filósofo para sobre isso reflectir e ensinar mais qualquer coisinha à humanidade que assim já não chegaria à condição de «pós» como vaticinaram alguns, porque entretanto estaremos todos feitos em pó, como ensina a religião, fazendo neste caso coincidir o fim da história com o fim do mundo.