Houve um tempo em que nada sabia de pintura ou fotografia e mesmo hoje continuo a pouco saber, apenas o suficiente para poder satisfazer as minhas necessidades básicas, um bocadinho assim como uma tomada salvadora que devolve os 10% de bateria suficientes para fazer uma chamada importante antes de se chegar a casa. Mas mesmo quando nem esses 10% tinha, as capas dos LP's tiveram o seu papel para vir um dia a sentir necessidade desses 10%. Não estou a pensar em capas icónicas como a de Andy Wahrol no álbum dos Velvet Underground ou a do Sgt. Pepper's, ou capas conceptualmente brilhantes como a do Sticky Fingers, dos Stones, as do III ou Physical Graffiti, dos Led Zeppelin, ou a do Walls and Bridges, do John Lennon, capas que reclamam tanto os olhos como as mãos. Não estou a pensar em arrojadas criatividades artísticas ou manifestações de genialidade. Bem pelo contrário, capas simples e que não aparecem num desses álbuns da Taschen e similares com as melhores capas de todos os tempos. Refiro-me concretamente, embora por razões distintas, a três capas dos Genesis: Wind & Wutherind, A Trick of the Tail e Nursery Cryme.
Calhou estar há dias numa loja de discos vinil e dar com o Wind & Wuthering, que não via há décadas. Foi uma tremenda desilusão, e que me obrigou a concluir que a pessoa que tanto apreciou aquela capa não pode ser a mesma que agora a olha com indiferença. Mas embora a pessoa não seja a mesma, a sua memória fá-la lembrar-se bem da sua experiência visual diante daquela capa e contracapa e do prazer estético que delas retirava, tal como o Nestum com mel que a pessoa de hoje já não consegue comer. Como diria o filósofo David Hume, já não tenho as impressões que tinha diante daquelas capas mas tenho bem presentes as ideias das impressões que tinha diante daquelas capas. Não vou dizer que essas três capas estão para o prazer que sinto hoje ao ver certos quadros ou fotografias, como a força de gravidade para a queda do lápis no chão. Mas estão na origem de uma coisa importante: a experiência de termos dois olhos para ver. E é através de coisas que nos pedem para serem vistas que os olhos aprendem a ver e um disco não era um objecto apenas destinado à audição, era também um enorme quadrado de cartão que emoldurávamos dentro da nossa cabeça como um quadro ou uma fotografia na parede. Uma experiência impossível quando se chega à música através do telefone, leitor de MP3, Spotify, YouTube ou mesmo de um CD. Como se a música fosse uma alma libertada do seu corpo, diria Platão. Como se a música fosse uma alma que se tivesse perdido do seu corpo, diria Aristóteles.