«Listen to fado music and the sadness drips from it even if you don't speak a lick of Portuguese». Isto é do último livro de Bob Dylan, The Philosophy of Modern Song, citado pelo MEC, há dias, no jornal, a propósito dos possíveis efeitos emocionais de uma canção numa língua que não se conhece. O fado aqui é irrelevante, até porque não sou apreciador, apenas me importa a recepção de uma língua no ouvido de quem não a entende, reduzida a uma sequência de sons sem significado, exacerbando com isso o seu efeito estético. Mais ainda do que numa canção, cujo efeito emocional virá, provavelmente, mais do elemento musical do que da palavra, o mesmo acontece com a fala. Basta pensar no prazer de poder ouvir Jeremy Irons a dizer os Four Quartets ou Benedict Cumberbatch a Ode to a Nightingale, mesmo que pouco ou nada se perceba de Inglês (engraçado o facto de preferir vozes femininas na ópera mas na fala as masculinas). Daí também gostarmos mais de certas línguas do que de outras, entendemo-las ou não. Gosto muito mais do Inglês de Inglaterra do que o americano, do alemão do que do neerlandês (Não consigo imaginar Espinosa a falar aquilo a não ser com uma broncopneumonia), o norueguês do que do sueco, dos quais não pesco absolutamente nada.
Por um efeito de contiguidade, pode passar-se o mesmo com a escrita. Olhar para textos escritos em chinês, japonês, árabe, persa, russo, ou mesmo textos escritos com o nosso alfabeto e, sem nada perceber, gostar mais de uns do que de outros. Olhar (em vez de ler, claro) para textos escritos em neerlandês, basco, polaco ou húngaro, são quatro experiências visuais e estéticas completamente distintas, dando mais prazer umas do que outras. A escrita, antes de mais, é desenho, sendo isso que vê um português diante de um texto russo, persa ou japonês, ou um texto português olhado por uma criança que ainda não sabe ler. Foi na sequência disto que, por associação, me lembrei de uma belíssima exposição de Irma Blank, há três anos, na Culturgest. Uma pintora que em muitos quadros joga com a ambiguidade entre a escrita e o desenho. Inicialmente acontece com esses quadros o mesmo que com os meus biscoitos de alfarroba. Ficam estranhos ao provar porque o cérebro é enganado. Pela cor e pelo primeiro impacto na boca, pensa-se em chocolate. Só que não é chocolate, provocando uma dissonância gustativa. Mas a partir do momento em que percebemos que não estamos a comer chocolate mas alfarroba, o paladar fica desde logo educado, passando a perceber o sabor como sendo de alfarroba e usufruído enquanto tal. Também o primeiro impacto com essas obras de Blank, até porque muitas não estão em telas mas em livros, é o de estarmos perante um texto. Mas que percebemos depois não o ser, mas uma escrita que se desvaneceu, grafismos que se desconfiguraram, palavras que se fartaram de o ser sob o rigor analítico do texto, do qual se libertaram para se tornarem desenhos para os olhos em vez de signos linguísticos para o cérebro. E é muito, mesmo muito bom de se ver.