21 novembro, 2022

IDENTIDADES


«Se eu for só por mim, quem sou eu?» Talmude

É impossível que não tivesse já passado várias vezes por este quadro e olhado para ele, mas só na última me chamou a atenção, parando pela primeira vez para o ver. Posso, a posteriori, claro, conjecturar uma resposta para a minha anterior indiferença. Havendo tanto para ver, e sendo o tempo escasso, foi de certeza um daqueles que ponho logo de lado quando, ao entrar numa sala, faço de rajada uma vistoria para seleccionar o que vale a pena. E como devo ter visto mais um cartaz do que uma pintura, apesar de os haver bons não são cartazes o que procuro num museu. O que terá então mudado desta vez, continuando o quadro a não me despertar especial interesse? O que mudou, e agora tenho bem a noção disso, foi a minha predisposição para logo intuir uma sugestiva representação das políticas identitárias que tanta polémica têm gerado: mãos que se dão entre si mas que ao fazê-lo se separam de todas as outras. 

Nada disto tem que ver com a ideia kantiana de uma sociabilidade insociável, expressa numa metáfora vegetal. O homem é um ser sociável, mas ao mesmo tempo egoísta, sobrepondo-se e resistindo ao colectivo, sendo este egoísmo e resistência a base para uma expansão individual dos talentos humanos mas também beneficiando com isso o colectivo. Uma árvore isolada e livre, no meio do campo, cresce sem critério, com os ramos deformados e retorcidos. Mas se as árvores estiverem limitadas numa cerca, cada uma faz por crescer o mais possível verticalmente para poder apanhar o sol que as outras lhe tiram, crescendo assim todas de um modo firme e elegante. Em suma, cada árvore afirma-se individualmente mas numa relação directa com todas as outras e não delas se afastando e isolando. Afastamento e isolamento que serão uma consequência natural das políticas identitárias e dos orgulhos identitários, deslassando a própria coesão social que tanto apreciamos quando olhamos para uma bela floresta. O que vemos neste quadro. Chama-se Identity [1969], e quem o pintou trabalhou como ilustrador e desenhador de posters. Fiquei mais descansado.