- Desculpa, mas isso é falso - contradiz um dos rapazes. - O Führer não quer a guerra. O nosso programa é pela paz, mas com honra. Mesmo assim...a guerra pode ser uma coisa boa. Pensa nos antigos gregos! - acrescenta, ávido, o rosto iluminando-se-lhe.
Toda a gente viu Liza Minnelli a brilhar em Cabaret mas também merece leitura o livro que lhe deu origem, Adeus a Berlim, do inglês Christopher Isherwood, cuja acção decorre nos anos 30 na capital alemã, cidade onde viveu e viu de perto a ascensão do nazismo. O que gostaria de salientar na resposta do jovem simpatizante nazi é o cinismo de quem assume a irrelevância do sentido manifesto do que diz, que é dito porque fica bem dizer, sem se dar ao trabalho de disfarçar o que verdadeiramente sente e pensa, tão destapado que está que nem chega a ser latente, originando assim alguns espirros como sintoma de uma doença, esta sim, num estado de latência, mas que em breve entraria em megalómanos e febris delírios. Sim, um espirro é um espirro mas também pode ser por um espirro que tudo começa.
Eis o mesmo pouco disfarçado cinismo naquela T-shirt branca e na camisa ao lado. O que raio iria eu responder se me perguntassem se gosto de ser branco? Só concebo outra pergunta: "Por que carga de água não haveria de gostar de ser branco?". E o mesmo diria com o gostar de ser homem, heterossexual, português, europeu, e já agora um ser humano em vez de um periquito ou de um crocodilo. Claro que gosto, é o que sou, foi o que me calhou na rifa, não tenho qualquer razão para não gostar. Daí a aparente inocência do que está escrito na T-Shirt do simpático rapaz, com aquele ar e corte de cabelo de quem poderia ser meu aluno, ainda para mais com uma romântica declaração de amor que faz dele, para além de bom americano e bom filho, um bom namorado. Pronto, o rapaz gosta de ser branco, deixá-lo. Mas aí é que está. Uma coisa é gostar de ser branco tal como um negro deve gostar de ser negro, um árabe de ser árabe e um judeu de ser judeu, outra é fazer disso um programa, um projecto, uma ideologia de que se orgulha e tudo faz para a publicitar. É a diferença entre eu estar aqui quietinho sem fazer mal a ninguém, ou andar com aquela T-Shirt a desejar construir um novo país ou mesmo um novo homem. Como faz toda e imensíssima diferença defender a paz porque se detesta a guerra, ou defender a paz desde que com honra, um sonoro espirro atirado à cara de Peter, tal como esta T-shirt é um espirro para cima dos nossos olhos. Pobres antigos gregos, que também não eram meninos de coro, nem a Ilíada, A Retirada dos Dez Mil ou a História da Guerra do Peloponeso, literatura infantil. Dá muito jeito a história ter as costas largas para nos escondermos atrás delas.