05 novembro, 2022

IDEALISMO GESTUAL




Noam Chomsky é uma figura controversa, tanto amada como odiada, devido às suas posições políticas. Já indiscutível é o facto de ser um dos grandes linguistas contemporâneos, senão o maior. Para ele, a linguagem parte de propriedades estruturais, inatas, sendo a sintaxe o seu elemento fundamental, possibilitando infinitas combinações nos modos de se exprimir. Daí a sintaxe ser anterior à semântica. Vejamos a célebre frase «Ideias verdes incolores dormem furiosamente». Semanticamente absurda, mas não na sua ordem sintáctica. Basta pensar na frase «incolores furiosamente verdes ideias dormem», semântica e sintacticamente absurda. Há assim uma estrutura formal, inerente à mente humana, que vai sendo preenchida pelas línguas que a Torre de Babel dispersou. X+Y=Y+X não tem significado, ao contrário de banana+maçã=maçã+banana ou Chopin+Schumann=Schumann+Chopin. No entanto, é a partir dessa estrutura formal que  as línguas se desenvolvem e são usadas, o que leva Chomsky a ser na Linguística um herdeiro do idealismo platónico ou kantiano.

É precisamente o que se passa com estas duas fotografias, tomando assim a liberdade de pensar num idealismo transcendental da gramática gestual. Tiremos o vestido à mulher da primeira fotografia, substituindo-o por outro da Zara, libertemos-lhe o penteado e punhamos a revista do Expresso no banco. Terminemos, dando à fotografia uma cor actual em vez do autocromo. Olhando de repente iríamos, muito provavelmente, vê-la com um cigarro na mão direita. O mesmo cigarro que Emmeline Stieglitz, em 1907, não iria poder ter na sua mão, ou, no caso de, também de repente lá o vermos, um lenço de papel. O mesmo se passa na segunda fotografia, embora não tenhamos que corrigir tanto. Todos nós já vimos aquelas duas raparigas: concentradas ou entediadas, tanto faz, com os respectivos telemóveis na mão, enquanto a restante família continua à mesa a falar de política, desporto ou dos velhos tempos. Acontece também que tal seria impossível em 1930, e só observando melhor percebemos que não são telemóveis o que têm na mão. Não sei se há, mas seria interessante uma História do Gesto, na qual fôssemos encontrar, como na gramática generativa de Chomsky, esquemas inatos e universais que permitissem ver uma sintaxe dos gestos anterior a toda a semântica gestual dispersa no espaço e no tempo. Não me refiro aos gestos básicos de atracção/repulsão idênticos aos dos animais ( já foi feito por discípulos de Konrad Lorenz), ou gestos culturais como levantar o dedo do meio para insultar ou juntar os dedos como gesto de indignação, no caso dos italiamos. Refiro-me mesmo a gestos atomicamente imperceptíveis, que vemos todos os dias sem darmos por eles, e que tanto vêm do passado mais fundo como vão para o mais fundo futuro.