07 novembro, 2022

A HISTÓRIA DE EMELYN STORY




Uma boa maneira de perceber o modo como a gramática pode condicionar a percepção da realidade é olhar para a escultura The Angel of Grief, no cemitério não-católico (ou protestante) de Roma, que tem na sua parte frontal a inscrição Emelyn Story. Uma das primeiras coisas que se aprendem na língua inglesa, sem correspondência na nossa, é o caso possessivo. Daí que, diante do túmulo de Emelyn, repousando eternamente sob o anjo que chora a sua morte, a primeira coisa que nos vem à cabeça será indagar a respeito da sua história, o que se terá passado de tão extraordinário na sua vida para o seu túmulo merecer a referência a uma história, exaltando assim de imediato os circuitos românticos de um espírito dado à poesia. Mas não, e rebobinemos a fita. Acontece apenas que Emelyn foi mulher do escultor William Wetmore Story, razão pela qual aparece como Story em vez de Smith, Watson ou Bedford. Ainda assim, não nos precipitemos, atirando já a toalha ao chão. Sim, acaba por haver uma história na vida (digamos assim) de Emelyn. Esta escultura, uma das peças mais conhecidas do roteiro cemiterial europeu, é obra do seu próprio marido, arrasado com a morte daquela que foi o grande amor da sua vida, fazendo cair as flores da mão do anjo por não suportar a dor daquele momento. William sobreviverá apenas um ano à morte de Emelyn, indo repousar junto a ela, embora  apenas com o nome dela inscrito. Não sei, nem agora me importa, como terá sido a vida de Emelyn até chegar à sua última morada. Mas haver um marido que lhe dedica com as suas próprias mãos aquela peça composta de dor, amor e saudade, não é para todos. Sim, Emelyn Story tem a sua bela história, permitindo assim juntar o caso possessivo inglês à sua versão portuguesa.