21 outubro, 2022

UM AMOR DE VERÃO

Paseo de Gracia, Barcelona, 1982

É difícil olhar para esta fotografia sem vir logo à cabeça a solidão urbana da pintura de Hopper. Mas nem Catalá-Roca como fotógrafo ou esta fotografia em particular são hopperianos. Para além de um mundo sem pessoas, o que sobretudo se vê na pintura do norte-americano são pessoas sem mundo. Pessoas diante do mundo mas, ao mesmo tempo, e mais ensimesmadas do que alienadas, fora dele. O mundo, feito de paisagens, edifícios, objectos, está lá, mas diante de um olhar sem olhos ou de olhos introspectivos, completamente virados para dentro em vez de intencionalmente apontados para um alvo que pode ser uma carta, uma chávena, um piano ou o que está para lá de uma janela. Só a título de exemplo, veja-se Hotel Room. Consta que é para um horário de comboios que a mulher está a olhar. Mas o horário está completamente vazio, tão branco e espectral como a mulher que acabou de chegar e que olha para ele como para uma parede branca. Existe uma mulher, existe um mundo, mas cada um apagado no seu antípoda sem chegarem a coincidir.

A mulher do Paseo de Gracia pode estar tão sozinha como a do quarto de hotel de Hopper. Não sabemos e até se pode dar o caso de ser casada e mãe de cinco filhos e estar simplesmente à espera que mude a cor do semáforo para chegar a casa com a compra que acabou de fazer. Mas também pode estar mesmo sozinha, sozinha na grande cidade, vendo passar os carros que levam casais a conversar, a rir, ou até calados mas lado a lado no seu silêncio, casais com filhos que contam o dia de escola, ou mesmo pessoas sozinhas, mas a caminho de uma casa aquecida onde são esperadas. Cada carro é um carro, mas tendo em comum o rasto luminoso dos faróis quando passam por ela, enquanto tanto a cidade como ela se preparam para adormecer, ambas sozinhas como na pintura de Hopper.

Mas aquele cinema do outro lado da rua faz toda a diferença, anulando o clímax hopperiano da fotografia. Aquele cinema para o qual dirige o olhar não é o horário de comboio, o piano, a chávena, a janela da pintura de Hopper. Não é um cinema branco e espectral, mas um mundo iluminado que poderá estar a iluminar os seus olhos, um frente a frente como num duelo amoroso em que as luzes do néon se fundem com o brilho do seu olhar diante do cartaz que anuncia aquele filme. Eis o que não se vê na pintura de Hopper: a esperança enquanto virtude, não teologal neste caso, mas existencial. Deste modo, podemos não estar a presenciar uma espectral e inexpressiva existência a caminho de uma casa fria e vazia, mas alguém que dentro de pouco tempo irá sair de uma sala de cinema com um sorriso nos lábios, levando consigo a ideia de que há vida para além daquela noite fria de Outono ou Inverno e que o mundo, afinal, não tem de ser um lugar opaco com o qual não se chega a envolver. Já deitada, talvez não apague logo a luz da mesa de cabeceira, precisando desta vez de muito mais tempo até finalmente se fundir com a cidade adormecida.